Origem da Filosofia

 

A Filosofia em termos amplos tem como preocupação conceber o mundo em sua totalidade. Dessa concepção de mundo deduz-se  certo tipo de atitude, comportamento social de uma sociedade, de uma época. Desde logo, porém, devemos nos lembrar que não há concepções filosóficas neutras, convenientes a todas as classes sociais em luta. Ao contrário, como já dizia Marx, as ideias dominantes de uma época são, geralmente, as ideias da classe dominante. Em outras palavras, uma concepção filosófica de mundo geralmente está a serviço de uma classe social e em prejuízo de outras.

 

Há três modos de se pensar a realidade universal: metafísico, filosófico e científico. O pensamento metafísico provém da pré-história e sobrevive como ideologia, isto é, um conjunto de valores e explicações baseados na tradição, no senso comum, na aparência das coisas. A ideologia tem sobrevivido ao longo dos tempos como amálgama de diversas manifestações mágicas, mitológicas e religiosas, sempre retrabalhada pelas classes dominantes, com a finalidade de encobrir a exploração de classes.

 

A explicação ideológica pode até conter alguns elementos científicos, mas a maneira como eles são elaborados e integrados à explicação do mundo acaba induzindo as pessoas a terem uma falsa concepção do real. A ideologia surge da dificuldade que temos de entender o mundo, pois a natureza e os fenômenos sociais não são  transparentes, eles ocultam de nós seus segredos e suas leis. Cessa, portanto, o conhecimento do leigo na aparência, e nasce a partir dela a pesquisa, a Ciência.

 

 Modos culturais de se Pensar historicamente a Realidade Universal

 

Animismo: primeira manifestação cultural do homem que via nas forças vivas da Natureza a encarnação dos deuses. Essa maneira de pensar o mundo encontrava sua correspondência em uma realidade social pouco desenvolvida. Os homens, por essa época, eram nômades, não conheciam a prática agrícola, e seus instrumentos de trabalho eram toscos. Os símbolos culturais eram representados pelos animais, expressões próximas de sua experiência de vida. A pintura rupestre significava, talvez, uma forma de apropriação, no plano simbólico, de um ser da Natureza, e uma maneira, quem sabe, de  combater o próprio medo.

 

O mito: As narrativas mitológicas foram  inicialmente orais. Os deuses, pela descrição, eram muito parecidos com os homens, dotados de virtudes e paixões, mas plenos de superpoderes. Acreditava-se que em época mais remota costumavam visitar os homens, a exemplo, entre outros, dos deuses indianos (Krishna, Shiva), gregos (Zeus, Tétis), hebreus (arcanjo Miguel e outros citados na Bíblia). Nesses encontros eventuais firmavam-se alianças, renovavam-se promessas. Ocasionalmente, semideuses nasciam dessa comunhão, a exemplo de Aquiles, figura central da Ilíada de Homero. Havia, ainda, na mitologia grega, faunos (metade homem metade animal), ninfas e titãs.

 

A construção do mito tem sua correspondência social na aldeia, na prática agrícola, na domesticação dos animais, enfim, num conjunto de meios de trabalho um pouco mais desenvolvidos e relações sociais de produção que já implicavam alguma estratificação social. As contradições dessa nova realidade abriam espaços para a elaboração de uma visão de mundo em que os deuses não se confundiam mais com a Natureza. Ao contrário, dirigiam os fenômenos naturais  e  jogavam com o destino dos homens. O mito ao que parece seria uma maneira de se pensar o todo e justificar as contradições de uma sociedade ainda pouco complexa. Não se pode conceber, por exemplo, a existência de Aquiles com o advento do canhão, ou Poseidon, deus dos mares, com a navegação submarina. Trata-se, pois, de um período da infância da humanidade, cuja beleza épica de sua literatura não poderíamos jamais imitar, sob pena de voltarmos a ser crianças novamente.

 

O pensamento religioso, como sabemos, parte de dogmas, isto é, de pontos de doutrinas definidos como expressão legítima e necessária de uma fé. A religião afirma a existência de um tipo de conhecimento que foge à compreensão racional; há, para ela, uma realidade imaterial que não se pode demonstrar pela lógica filosófica, nem pela metodologia científica. Apenas crê, dizem os evangelhos.

 

A passagem do mito para a religião não se deu de maneira automática, nem o mito desapareceria definitivamente. Na realidade, o que tem ocorrido é uma re-elaboração do pensamento metafísico, à medida que a divisão social do trabalho torna-se mais complexa. Apenas o homem conseguira elaborar uma teologia escrita e sofisticada para explicar o mundo e a si mesmo.

 

Trata-se, como vemos, de uma concepção metafísica de mundo que emerge de condições mais complexas da atividade da produção social. O homem, por esse tempo, já havia dominado a metalurgia do bronze e do ferro; expandido as técnicas agrícolas, navais e arquitetônicas; incrementado o intercâmbio comercial com outros povos e desenvolvido a escrita. A sociedade já era razoavelmente estratificada, e havia a formação de excedentes de produção. A questão colocada era: com quem ficariam esses excedentes, e como legitimar sua posse?

 

Anteriormente, os estoques da produção eram consumidos pela coletividade, por ocasião das festividades dedicadas aos deuses. No decorrer das transformações sociais, algum estrato social dele se apoderou, pondo fim a socialização das riquezas criadas pelos trabalhadores.

 

Para garantir a posse  e o gozo do excedente produtivo a um grupo social especifico, constituíram-se mecanismos que viriam a ser, no decorrer da história, o Estado. Este Estado que é, em última análise, um conjunto de aparelhos burocráticos e repressores, define, por legislação, o que é público e o que é privado, garantindo, por esse artifício, a dominação de classes. Eventuais contestações à ordem estabelecida seriam, a partir daí, duramente reprimidas, utilizando-se da violência de Estado, teoricamente legitimada.

 

A religião, por sua vez, como uma das muitas facetas da ideologia da classe dominante, também contribui para o encobrimento da exploração de classes, ao mesmo tempo em que explica a realidade do mundo.   

 

A pluralidade de deuses e os conflitos entre o império romano e suas colônias conduziram à elaboração de uma concepção de um Deus único, Criador, e acima de tudo Pai, como é o Deus dos cristãos. Nessa teologia, as contradições internas são tidas como mistérios, isto é, não cabe ao homem entendê-las, a não ser por revelação divina. Numa tentativa de pensar Deus historicamente, alguém perguntou a S. Agostinho o que fazia Deus antes de fazer o mundo, isto é, se ele existia eternamente, o que fazia desde sempre? Agostinho após rápida reflexão respondeu: Deus estava arquitetando como fazer o inferno para pessoas que fazem perguntas como esta.

 

Quanto ao saber filosófico, é de conhecimento geral que a Filosofia parte de proposições que se pretendem verdadeiras, possíveis de serem demonstradas racionalmente. Na origem, os primeiros filósofos raciocinavam dialeticamente, isto é, examinavam as proposições de determinado tema, a partir do confronto de ideias, examinando todas as possibilidades dos termos propostos, reconciliando-se posteriormente as contradições entre eles. São as instâncias conhecidas como tese, antítese e síntese.

 

A Filosofia difere da religião por ser racional, crítica e sistemática, submetendo-se ao contraditório. Não nega o conhecimento cientifico adquirido, mas apoia-se nele para adiantar-se ao próprio conhecimento científico. Ela se propõe pensar o todo, as leis mais gerais da realidade universal. Neste ponto, avança mais do que a Ciência, que ainda é muito segmentada.

 

Há um corte histórico do conhecimento filosófico, enquanto motivação do saber. As filosofias especulativas, preocupadas em conceber o mundo, e a filosofia da ação, preocupada principalmente em mudar o mundo. Este último caso está de acordo com o materialismo dialético que se coloca como instrumento de ação dos trabalhadores para transformar suas próprias realidades sociais. Marx dizia que os filósofos têm interpretado o mundo de diferentes maneiras, mas o que importa mesmo é transformá-lo!

 

A Ciência é definida pelos próprios cientistas como um conjunto de conhecimentos socialmente adquiridos ou produzidos, historicamente acumulados, dotados de universalidade e objetividade que permitem sua transmissão, e estruturados com métodos, teorias e linguagem próprios, que visam compreender e orientar as atividades humanas.

 

A Ciência critica incessantemente seus próprios resultados, a fim de poder superá-los. Para melhor compreender seu objeto de estudo, ela se ramificou em áreas específicas do saber. Por um lado, avançou muito, descobrindo as leis próprias de determinados setores da realidade. Por outro, dificultou a possibilidade do conhecimento integrado, o que tem levado os cientistas a terem uma visão parcial das realidades do mundo e a desenvolver, em consequência disso, pesquisas e armas de destruição que  têm servido aos interesses contrários à paz e à solidariedade entre os homens. O conhecimento  integrado somente é possível por meio do ensino do materialismo dialético que desnuda os interesses de classe, e por isso está proibido nas universidades do mundo capitalista.

      

Origem do Pensamento Filosófico

 

Voltando à questão colocada neste texto: como surgiu o modo de pensar filosófico? Quais foram as condições sociais das quais ele emergiu? Por que na Grécia e não em outra parte do mundo?         

 

O marxismo nos ensina que não se produz nada de importante da noite para o dia. As civilizações são produto do desenvolvimento das forças produtivas, no curso da História. É sempre um processo de acumulação de conhecimentos, técnicas de trabalho, invenções, lutas políticas e adequação de relações sociais de produção com o nível do desenvolvimento das forças produtivas. Vejamos como se deu esse processo nas ilhas gregas do mar Egeu que resultou na formulação de um modo de pensar filosófico.     

 

Os jônios: o mérito do desenvolvimento de um modo de pensar racional cabe aos jônios, imigrantes de Micenas, região continental da Grécia, da qual foram expulsos durante a invasão  dos Dórios (cerca de 1200 a.C.). Eles já habitavam aquela região desde o III milênio, e lá teriam construído uma florescente civilização em torno do ano 1600 a.C. A cidade era cercada por muros de até 17 m de altura. Havia em seu interior ricos palácios, artes diversas, objetos trabalhados em ouro, marfim, de cerâmica. A escrita já era conhecida.

 

Os micênios, por sua vez, beneficiaram-se do saber cretense por contato cultural e por migração voluntária destes. Creta já era habitada no VII milênio a.C., e a partir da Idade do Bronze, passou a fundir esse metal, exportando armas decoradas para todo o mundo grego. A  metalurgia do bronze ao lado da prata e do ouro contribuiu enormemente para a formação dos grandes impérios.

 

Os cretenses desenvolveram inúmeras técnicas agrícolas; fabricavam  vinho e extraíam azeite de oliva; produziam artesanalmente tecidos pintados em púrpura, artigos de cerâmica, objetos de bronze e de ourivesaria. Eram também mestres na arquitetura dos grandes palácios, e sua marinha dominava todo o Mediterrâneo.   

  

Quando os micênios emigraram para as ilhas do mar Egeu, na costa da Ásia, para lá levaram o conhecimento que tinham da prática agrícola, da construção naval, da extração do azeite de oliva, da produção artesanal de diversas artes e ofícios. Essas atividades econômicas constituíam a base  de suas sociedades. Seus descendentes, os jônios, não começaram, portanto, do zero, não tiveram que reinventar a roda, mas partiram de uma acumulação primitiva dos antigos micênios.

 

Os jônios eram homens práticos, empreendedores, não se orientavam pela tradição; elaboravam diretamente seus próprios objetos, e com isso, desenvolviam habilidades, técnicas e conhecimento. O trabalho não alienado era para eles fonte de imaginação criativa. Tales de Mileto (séc. VII-VI a.C.), por exemplo, além de prático era grande observador, colhendo com isso bons resultados monetários. Nos anos de safras abundantes, alugava previamente prensas para a extração do azeite de oliva e as arrendava no momento da colheita. 

 

A organização política das cidades-Estado do mar Egeu baseava-se na participação ativa dos cidadãos. Não foi por acaso que os sofistas (sábios, em grego) saíram dessas regiões. O papel deles  consistia em educar os jovens e ensinar a técnica da oratória aos cidadãos que pretendiam participar da administração pública. Sua arte contribuía para a elaboração de um discurso fundado na racionalidade. Estado laico e democracia foram talvez os fatores mais importantes para o surgimento da Filosofia, na Grécia.

 

Os sofistas eram homens viajados e talvez por isso conhecessem a relatividade das convenções humanas. Entendiam que as realidades sociais estabelecidas pelos homens não passavam de convenções criadas para depois abandoná-las. É conhecida a máxima de Protágoras (487-420 a.C.): “o homem é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são, e das que não são enquanto não são”. Quanto aos deuses, ele dizia: “dos deuses nada posso dizer de concreto..., pois nesse particular são muitas as coisas que ocultam o saber: a obscuridade do assunto e a brevidade da vida humana”. Eram, por um lado, céticos, não acreditavam que se pudessem encontrar respostas definitivas sobre as realidades universais, por outro, agnósticos, uma vez que não se poderia afirmar ou refutar a existência dos deuses. Quanto aos deuses, diria eu, a pergunta a ser colocada não é se eles existem, mas como essa ideia foi parar na cabeça dos homens!

 

A cunhagem da moeda (séc. VII a.C.) unificou o padrão monetário grego e facilitou enormemente a ampliação de suas relações comerciais. A navegação e o comércio já era uma atividade antiga dos gregos. A expedição mítica dos Argonautas, na realidade, teria sido a primeira expedição pirata desses povos. Os motivos da Guerra de Tróia (1250 a.C.) giravam em torno do controle do comércio marítimo que passava pelo estreito de Bósforo.

 

A religião: a  rigor, não havia na Grécia dos pré-socráticos uma religião organizada em templos, escolas ou seminários, tampouco havia uma casta sacerdotal, nem governo teocrático, como no Egito. Havia mitos, mas a divulgação por escrito desses mitos contribuiu enormemente para sua refutação e, consequentemente, para a elaboração de um modo de pensar racional.

 

Hesíodo, pai da poesia didática grega (primeira metade do século VIII a.C.), escreveu Teogonia, doutrina mística que fala do nascimento dos deuses e, por consequência, a formação do mundo. Mais tarde, Pisístrato (600-527 a.C), Tirano de Atenas, mandou editar a Ilíada, de Homero (séc. IX a.C.), uma das primeiras manifestações do pensamento mítico grego. Nas obras de Homero e Hesíodo, os deuses, como vimos, eram muito parecidos com os homens, cheios de virtudes e paixões, porém imortais e plenos de poderes.

 

No Egito, a explicação das realidades universais se dava pela religião, e os conhecimentos científicos (Geometria, Astronomia) tinham, por um lado,  uma utilidade prática: a construção civil e as práticas agrícolas; e por outro, subsidiar as crenças religiosas. Ra, por exemplo, era o deus Sol. Era uma sociedade de escravos, teocrática, e o faraó era a encarnação do deus  Sol. 

 

Resumindo: pequenas cidades-Estado, autônomas, laicas, governos democráticos, participação ativa dos cidadãos; educação, cidadania, desenvolvimento do discurso político e racionalidade administrativa da coisa pública; intenso contato comercial e cultural com outros povos; agricultura comercial, amplo artesanato, artes e ofícios diversificados e construções navais; facilitação do intercâmbio comercial entre as ilhas pela unificação do padrão monetário; divulgação escrita do mundo dos deuses, que deu azo à contestação dos mitos; inexistência de religião oficial com castas sacerdotais, templos, escolas e seminários religiosos.

 

Enfim, a convergência de diversos fatores e múltiplas determinações inexistentes em outras regiões de então concorreram para a montagem de um cenário nas ilhas do mar Egeu propício ao desenvolvimento das forças produtivas e ao estabelecimento das condições sociais que deram origem ao pensamento filosófico.

 

O Pensamento dos Primeiros Filósofos

 

Quanto ao pensamento dos primeiros filósofos, a questão colocada era se havia um principio único para explicar a diversidade do mundo. Tales (final séc. VII e meados do séc. VI a.C.), matemático e astrônomo, estabeleceu certas relações entre ângulos e triângulos, e quando esteve no Egito, em 585 a.C., previu o eclipse solar ocorrido naquele ano. Construiu ainda um relógio solar e elaborou um calendário astronômico. Ele admitia a existência de um principio único para a diversidade do mundo e entendia ser esse principio a água; ela se manifestaria em diferentes estados de concretude; em tudo há água. Dizia também que “as coisas estão cheias de deuses”, o que poderíamos interpretar como sendo elas dotadas de dinâmica própria.

 

Anaxímenes (585-525 a.C.) afirmava ser esse princípio o ar; as coisas materiais são formadas pelo ar em proporções de densidade que esse fluido venha assumir. Anaximandro, contemporâneo de Tales, dizia ser o apeíron (o indefinido) que em movimento gerava pares opostos: água e fogo, frio e calor etc. Empédocles (483-430 a.C.) tentaria conciliar essas divergências, afirmando que o principio de tudo eram quatro raízes, água, ar, fogo e terra. A combinação proporcional desses elementos resultaria na diversidade das coisas do mundo. A força que os combinaria e os separaria seria uma espécie de atração e repulsão, o amor e o ódio.

 

Anaxágoras (500-428 a.C.) afirmava a existências de variados elementos com qualidades distintas que se combinavam em diferentes proporções. Em tudo estaria incluída uma parte de tudo. Na origem, esses elementos estavam unidos e suas partes não eram identificadas, lembrando o Caos da mitologia. O Nous ou espírito pôs em movimento aqueles elementos que passaram a se combinar em diferentes proporções, formando a pluralidade das coisas do mundo. O Nous não se confunde com os elementos formadores do mundo, mas os dirige. Como vemos, já se nota aí um principio de contradição entre o Nous e a matéria ou Caos.

 

Heráclito (540-480 a.C.)  afirmava que o mundo é uno e sempre existiu, não foi criado por nenhum deus ou homem; tem sido, é e será uma chama eternamente viva, que se inflama e se extingue, segundo leis determinadas; ele se explica pelas contradições de que é formado; todas as coisas se opõem, e dessas tensões nasce a harmonia, que seria a razão universal, o logos, lei que rege os planos cósmico e humano. A divergência e a contradição não só produzem a unidade do mundo, mas também a sua transformação. A realidade é combate entre opostos que a constituem, não é equilíbrio entre forças opostas, como dizia Anaximandro, nem harmonia sustentada por justa medida imposta por um Ente supremo, como pensava Pitágoras.

 

Para Heráclito, se fosse possível a eliminação de um dos opostos que formam as realidades, o mundo deixaria de existir. Não há criação; para ele, deus é: noite e dia, guerra e paz, fome e saciedade. A luta dos contrários não só concorre para a unidade do mundo, mas também para  sua transformação.

 

Demócrito (470-370 a.C), assim como seu mestre, Leucipo, dizia que o mundo era formado de átomos, partículas indivisíveis e infinitas em quantidade que se moviam num vazio, entrechocando-se e enlaçando-se, segundo suas conformações anatômicas, e assim em movimento iriam também se desagregando. Da natureza dos átomos são produzidas as diferentes qualidades das coisas, o doce, o amargo etc.

 

A concepção de Demócrito já colocava a questão dos elementos químicos, os átomos e suas combinações como formadores das coisas do mundo. Está implícita a ideia de movimento. A matéria é dotada de movimento próprio, não há nada além de si mesma que possa animá-la.  

 

Os Socráticos

 

A Filosofia em Atenas mudaria de rumo, nos tempos de Sócrates, Platão e Aristóteles. Lá, ela perderia o princípio da investigação cosmológica, da investigação dos fenômenos da Natureza do tempo dos pré-socráticos. As novas condições sociais de Atenas geravam a necessidade de mudar o foco do pensamento filosófico.

 

A vida cultural em Atenas era intensa; era o tempo do teatro (Ésquilo), dos historiadores (Heródoto e Tucídides), da medicina (Hipócrates), dos escultores (Fídias) e das disputas políticas pela administração da coisa pública. Atenas havia derrotado a Pérsia, em 479 a.C., e, saída vitoriosa, estabeleceu hegemonia em todo o mundo grego. Era o século de ouro do Tirano Péricles, dos monumentos, dos templos, mas, também, do conflito entre valores políticos e morais. Era nessa conjuntura que Sócrates perguntava, refletia sobre a possibilidade de existir um valor moral único que fosse essencial a todas as virtudes particulares, como a coragem, a sabedoria e a justiça.

 

Sócrates não defendia propriamente uma concepção filosófica do mundo, uma cosmologia; não refletia sobre a Natureza, a origem das coisas. O conhecimento que buscava era mais de cunho sociológico, refletia sobre o comportamento humano e as regras que o presidem. Acreditava poder ajudar o homem a expressar o conhecimento que trazia latente em si mesmo, a exemplo dos artesãos que, conhecedores de seu oficio, não conseguiam descrever a estética de sua arte, tampouco justificar a diferença de preços entre seus produtos e os produtos similares de seus concorrentes. Ao dialogar com as pessoas, examinava as contradições do raciocínio de seus interlocutores, levando-os a reconsiderar os pontos fracos de suas reflexões, e ao final da conversa, os adversários acabavam por reconhecer o que estava certo ou errado em seus raciocínios a respeito de um tema que julgavam conhecer.  Sócrates utilizava-se da maiêutica, método de interrogação sistemática e progressiva, a fim de obter, por indução dos casos particulares e concretos, um conceito geral do objeto em questão.

 

Sócrates, ao contrário dos sofistas, acreditava que as questões morais não eram convenções baseadas em costumes e, portanto, temporárias, segundo os interesses dos homens e as circunstâncias sociais, mas questões que deveriam ser elucidadas pela reflexão racional. Ele procurava o conhecimento, a essência das coisas. Acreditava que para ser justo era preciso ser sábio, pois, segundo ele, “ninguém faz o mal voluntariamente, mas se o faz é por ignorância, pois a sabedoria e a virtude são inseparáveis”. Ao procurar um fundamento único para as questões morais, Sócrates surge como o fundador da Ética.

 

Sócrates se achava um homem humilde e, por isso, quando alguém lhe contou que o oráculo de Delfos o tinha em conta como um homem sábio, não se convenceu e foi conversar com um político tido por todos como sábio. Ao final do diálogo, Sócrates pensou consigo: “esse homem fala de coisas que supõe saber e não  sabe, enquanto eu, se não sei, tampouco suponho saber. Talvez por isso eu seja um pouquinho mais sábio do que ele, exatamente por não supor que saiba o que não sei”.

 

Atenas, no ultimo terço do século V a.C., já apresentava sinais de decadência, quando entrou em guerra contra Esparta, conflito que se estendeu, com ligeiros intervalos, dos anos 431-404 a.C., culminando  com sua derrota definitiva, neste último ano.

 

Interrogando seus contemporâneos, e refletindo sobre as questões morais, Sócrates acabou por denunciar a falsidade dos valores morais e religiosos de seu tempo, tidos como virtude pela classe dominante, e com isso abriu-se o caminho para sua própria morte. Acusado de ateísmo e de subverter os jovens, foi levado às barras do tribunal onde foi julgado culpado, por 282 votos de um total de 501, e condenado a beber cicuta, no ano de 399 a.C.

 

Não estão claras as razões para sua delação. Segundo alguns autores, um dos acusadores tinha ressentimento contra Sócrates. Atribuía a ele certa culpa pela morte de um filho, morto pela guarda espartana por ocasião da ocupação. Teria havido, também, algum envolvimento ou apoio de Sócrates e Platão ao governo anterior, os Trinta Tiranos (404-403 a.C.). Platão, discípulo de Sócrates, a quem iria imortalizar, não compareceu à despedida de sua morte. Dizem que estava doente, e após o acontecido, se exilou por um período de 12 anos.  

 

Platão: o conhecimento filosófico, segundo Platão, é adquirido por meio do diálogo metódico entre interlocutores, método já consagrado por seu mestre, Sócrates. A dialética pressupõe, assim, a existência de dois ou mais interlocutores e o confronto de ideias e opiniões entre eles. Caberia a um dos interlocutores a proposição de um tema e a formulação das perguntas corretas.

 

Partindo-se da análise de um tema particular e concreto examinar-se-iam todas as possibilidades daquilo que é tido como verdadeiro. Esse processo de depuração se elevaria, em seguida, por indução, a uma abrangência maior do próprio conceito inicial do objeto em questão. Assim, sucessivamente, inaugurar-se-iam novos ciclos do conhecimento para os demais temas, até a elaboração final de uma teoria ou um conjunto de ideias a respeito das realidades universais.

 

Platão concebia as realidades materiais como representações imperfeitas de outra realidade, esta sim, perfeita: “o mundo das ideias, coroadas pela ideia suprema do Bem”. A realidade material não era explicada como algo em si mesma, dotada de dinâmica própria, inata, como pensavam alguns pré-socráticos.

 

As diferenças de concepções de mundo entre Platão e os pré-socráticos refletiam, no fundo, as alterações sociais ocorridas no mundo grego, ao longo de mais de um século. Platão afirmava a existência de um Ser, um Demiurgo artesão, que um dia contemplou  a beleza das ideias pré-existentes e apanhando a matéria imperfeita, o Caos mítico, foi reproduzindo essas ideias, formando, assim, a diversidade dos seres que povoam o mundo. As diferenças entre seres de uma mesma espécie, os cavalos, por exemplo,  decorreriam da imperfeição da matéria com que foram elaborados. Apesar dessas diferenças, poderíamos, no entanto,  identificar todos eles como sendo cavalos, porque teríamos a ideia original do que seja um cavalo. Em outras palavras, há no mundo das ideias um cavalo ideal, modelo para os diversos tipos de cavalos que conhecemos.

 

Os homens, segundo ele, podem conhecer as ideias das quais são cópias, por um processo de lembrança. Lembrar-se das ideias que foram contempladas um dia pela alma. Conhecer é reconhecer, lembrar-se de coisas que foram esquecidas pelo apego do corpo às coisas do mundo. Esse saber ideal se daria pelo processo do conhecimento filosófico, fundado na dialética.

 

Ao elevar-se ao mundo das ideias por meio do conhecimento filosófico fundado no método dialético, o homem traria consigo, ao percorrer o caminho de volta, o verdadeiro conhecimento para interpretar a realidade  do mundo. Iluminado por esse conhecimento, eles poderiam organizar melhor a cidade, tendo em conta três funções básicas: satisfação das necessidades básicas, defesa do território e administração. Segundo a aptidão de cada um, poderiam ser agricultores, artesãos, soldados, e os mais sábios, administradores da coisa pública.

 

Platão escreveu vinte e oito diálogos e neles aborda quase todas as questões filosóficas  que ainda hoje ocupam os estudiosos dessa matéria. Sua explicação do mundo ideal, com um Demiurgo artesão, ideias perfeitas e pré-existentes e uma alma humana imaterial a elas ligada, seriam mais tarde retrabalhadas pelo cristianismo, principalmente por Santo Agostinho.                

 

solonsantos@yahoo.com.br – notassocialistas.combr -  ligeiras notas, a partir de consulta aos livros: História da Filosofia, edição os pensadores; O Mundo de Sofia, Cia das Letras; Platão, Apologia de Sócrates, os Diálogos, coleção Ediouro;  encicl. Larousse; A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado - Engels - Ed. Escala; dic. Aurélio etc.