GUERRA RÚSSIA X UCRÂNIA SINALIZA NOVA ORDEM MUNDIAL

Aproveitei alguns trechos de Roger Keeran e Thomas Kenny para explicar a guerra Rússia x Ucrânia. Diz os autores... argumentamos que a União Soviética não colapsou porque o socialismo fracassou. Ao invés, o sistema socialista baseado na propriedade coletiva ou estatal e na planificação central teve um assinalável êxito, em particular do ponto de vista do povo trabalhador.

... O sistema provou ser capaz de assegurar um crescimento económico sustentado durante seis décadas, produziu notáveis inovações técnicas e científicas e proporcionou benefícios económicos e sociais sem precedentes a todos os cidadãos. Ao mesmo tempo defendeu-se permanentemente da invasão externa, da sabotagem e ameaças, e prestou ajuda económica, auxílio técnico e proteção militar a outras nações em luta pela independência e o socialismo.

... A União Soviética tinha, todavia, problemas, alguns relacionados com a ossificação política e ideológica, outros ligados à quantidade e qualidade da produção da economia, outros ainda derivados da confrontação com o Imperialismo.

... No entanto, não foram estes problemas que causaram o colapso do sistema. O que derrubou o socialismo soviético foram as políticas prosseguidas por Mikhail Gorbatchov. Essas políticas baseadas na crença de que os problemas do socialismo poderiam ser resolvidos através de concessões unilaterais ao imperialismo e da incorporação no socialismo de certas ideias e políticas do capitalismo. Estas ideias tinham raízes no discurso político soviético, mas nunca haviam triunfado de forma tão completa com Gorbatchov.

... O que permitiu que essas ideias (de cunho capitalista, acrescento eu) ganhassem ascendência foi o fato de nas três décadas anteriores se ter desenvolvido dentro da União Soviética um setor pequeno-burguês, que se enraizou, sobretudo na economia privada ilegal. Esta, chamada «segunda economia», causou danos à primeira economia, desmoralizou uma parte da população, corrompeu segmentos do partido comunista e do governo, e forneceu uma base social para as políticas prosseguidas por Gorbatchov.

(Acrescento eu, segundo dados divulgados por outros analistas, nos anos 1970, 30% da economia já estava privatizada, e no final dos anos 1980, o índice de privatização subiu para 70% da economia. Assim, em 1991, não havia mais nada para ser defendido pela população soviética).

(Acrescento eu) O início da privatização começou com o ucraniano Nikita Khrushchov (Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética de 1953 a 1964 e como presidente do Conselho de Ministros de 1958 a 1964), que, além de devolver a Crimeia para a Ucrânia, implementou medidas capitalistas na produção agrícola soviética. O governo seguinte, Leonid Brejnev (1965-82), também ucraniano, foi marcado, na visão de muitos historiadores, por um certo retrocesso na política russa, estendendo as medidas capitalistas do campo, do governo Khrushchov, para a produção urbana (indústria, comércio e serviços), política essa seguida por Gorbatchov até a queda da União Soviética, em 1991).

Vejamos, passo a passo, as medidas do governo Gorbatchov (1985-91) 

Perestroika ou reestruturação (informações colhidas junto à Internet) consistia em acabar com a centralização econômica instaurada por Lenin depois da Revolução Russa, em 1917.

Gorbatchov, aos poucos, abre o mercado soviético com as seguintes medidas: redução de subsídios à economia; fim do planejamento econômico estatal; liberalização do comércio exterior; eliminação dos limites de fabricação de produtos; autorização de importação de produtos estrangeiros; redução de fabricação de armamentos.

A Perestroika fracassou em abrir a economia russa por vários fatores. O primeiro foi a resistência dos políticos liberais e dos comunistas em aceitar estas medidas; o segundo diz respeito à indústria russa que, segundo alguns, estava muito defasada em relação à Ocidental e, de repente, se viu sem subsídios.

Finalmente, com a desorganização do campo, seguiu-se o desabastecimento de alimentos causando revolta na população.

Glasnost ou "transparência" foi a política que visava aproximar a população das decisões políticas da União Soviética. Também buscava combater a corrupção entre os membros do Partido Comunista.

Essas medidas contribuíram para o fim da União Soviética, pois o povo não teve espaço para discutir as mudanças que estavam sendo operadas naquele momento.

Assim podemos citar as principais medidas da Glasnost: anistia aos presos políticos; fim oficial do Gulag; fim da censura aos jornais e a artistas; liberdade para grupos religiosos; fim do sistema de partido único; reabilitação das vítimas do governo de Stalin.

Consequências da Perestroika e da Glasnost

Em 1988, quando discursava na ONU, Gorbachev declarou que todas as nações deveriam ser livres para escolher seu destino sem interferência externa. Estas palavras tiveram um efeito inesperado nos países do Leste Europeu.

No ano seguinte, o regime comunista caiu de forma pacífica na Polônia, Hungria, Alemanha Oriental, Checoslováquia e Bulgária.

Somente na Romênia houve enfrentamento entre o Exército e a população e a execução do presidente Nicolai Ceausescu e sua esposa.

No final de 1989, com a queda do Muro de Berlim, começariam as discussões que resultariam na reunificação da Alemanha em outubro de 1990.

Quanto à União Soviética, enfrentaria a rebelião de várias repúblicas que haviam sido anexadas como Estônia, Lituânia e Letônia.
Submetido a referendo, os soviéticos decidem pelo seu fim em 1991 e Gorbachev renuncia à presidência da república no final daquele ano.

... Em vez de sarar os problemas do socialismo, as políticas de Gorbatchov provocaram num curto prazo o caos completo na economia e acabaram por derrubar o socialismo (R. Keeran. e T. Kenny).
(Acrescento eu, o caos decorrente da queda da economia planificada, da corrupção generalizada, o açambarcamento dos bens estatais, inclusive por mafiosos, gerou o desemprego de milhões de pessoas e fome generalizada; liquidação de instituições da saúde e da educação; enfim, a miséria social para a maioria da população russa, a tal ponto que ao longo dos anos 1991-2001, a população russa encolheu, isto é, o índice de natalidade foi inferior ao índice de mortalidade).

O desastre dessas políticas foi tão grande que o governo Yeltsin, em seu leito de morte (ano 2000), pediu perdão ao povo russo pela criminosa política herdade e levada adiante por ele até sua morte.
Dizem alguns analistas, que o governo chinês estuda 24 horas por dia as causas da queda da União Soviética.

RÚSSIA ATUAL

a) Independência da União Soviética: 12/06/1990, concluída em 25/12/1991; b) Area: 17,1 milhões km² - Água: 13% do Território;  c) Fronteira: 14 países: Noruega, Finlândia, Estônia, Letônia, Lituânia, Bielorrússia, Polônia, Ucrânia, Geórgia, Azerbaijão, Cazaquistão, Rep Popular da China, Mongólia, Coreia do Norte; d) População (2018): 144,5 milhões hab. Urbana: 105,1 milhões hab. 8,3 hab. km²; Idioma: 31 idiomas cooficiais; e) PPP (est. 2016): US$ 3,7 trilhões, per capita: US$ mil 25,2; PIB Câmbio: US$ 1,4 trilhão, per capita: US$ mil 7,7; f) IDH (2019): 0,824 muito alto; Gini (mede concentração da renda): 42,3. (2008) posição da Rússia no ranking dos países: 93.  Organizações internacionais: ONU, OMC, CEI, BRICS E G20 (IDH Brasil: 0,759; GINI: 0,50).

UCRÂNIA

a) Independência da União Soviética: 24/08/1991, concluída em 25/12/1991; b) Area: 603,6 mil km² - Água: 7% do território; c) Fronteira: 7 países: Rússia, Bielorrússia, Polônia, Eslováquia, Hungria, Moldávia, Romênia; d) População (2022): 41,2 milhões hab. (excluídas Crimeia e Sebastopol) Censo 2001: 48,5 milhões; densidade: hab. 76 hab. Km²; e) PPP (EST.2021): US$ 584 bilhões; per capita: US$ 14,1 mil; PIB Câmbio: US$ 181 bilhões, per capita: US$ 4,4 mil; f) IDH (2019): 0,779 alto; Gini (mede concentração da renda): 26,6 (2019).

AS RAZÕES DO CONFLITO

A Ucrânia foi transformada em uma das 22 repúblicas soviéticas, idealizada por Lênin, em 1918, e ratificada pelo PCUS em 1922. Essas repúblicas, a semelhança dos estados brasileiros, gozavam de certa autonomia, cabendo a elas, no entanto, a implementação local das medidas socioeconômicas socialistas.

A crise cíclica do capitalismo de 2008 teve efeitos desastrosos em quase todos os países da cadeia produtiva mundial comandada pelo imperialismo estadunidense. Os efeitos dessa crise ainda permanecem no mundo, inclusive no Brasil, notadamente a partir de 2013, culminando com o golpe político que derrubou a presidente Dilma, em 2016.

Na Ucrânia, não foi diferente, e em 2014, as contradições internas se acentuaram levando à derrubada do governo e à ascensão de um presidente, que segundo dizem, corrupto, o que acentuou ainda mais as contradições políticas naquele país.

A insatisfação popular gerou o clima propício para a eleição de um governo, de tendência fascista e desqualificado para a gestão pública, e ainda totalmente alinhado ao imperialismo estadunidense, a tal ponto que sua principal meta era afastar-se politicamente da Rússia e aderir à União Europeia e consequentemente à OTAN.

Diante da iminência de medidas antirrússia, o governo russo reintegrou a região da Crimeia, em 2014, ao seu próprio país, legitimando tal medida, posteriormente, por meio de um plebiscito que teve a aprovação de 96% da população local. A Crimeia, como a própria Ucrânia, como sabemos, sempre foi parte do império russo.

Em seguida, a região da bacia do rio Don (Donbass), Donetsk e Luhansk, com população majoritariamente russa, decidiu declarar autonomia política, fato este apoiado em plebiscito por suas populações (89% e 96%, respectivamente).  O governo central ucraniano, apoiado por forças neonazistas, o famoso batalhão do mar de Azov, atacou as duas províncias do Donbass, assassinando cerca de 15 mil pessoas, majoritariamente civis.

O que desencadeou o ataque russo foi a concentração de 60.000 soldados ucranianos, fortemente armados, para uma ofensiva decisiva contra a região separatista de Donetsk, cuja independência havia sido recém-reconhecida pela Rússia. Diante da crescente ameaça à segurança russa, o governo Putin resolveu intervir, ocasionando a guerra atual. 

A Crise do Imperialismo Ocidental

A partir da queda da União Soviética, o imperialismo estadunidense impôs ao mundo sua hegemonia total, isto é, econômica, política e militar. O predomínio se fez pela ratificação do dólar como moeda de Referência mundial; criação do G7, as sete principais economias; expansão e fortalecimento da OTAN, tratado militar com mais de 700 bases e milhares de soldados espalhados pelo mundo; pela proibição do armamento militar do Japão, Alemanha e Itália, integrando, por outro lado, os demais países europeus sob o comando da OTAN. Este aparato militar, que deveria ser extinto com a queda da União Soviética e a dissolução do Pacto de Varsóvia, ampliou-se, contando, atualmente, com 30 países.

A expansão da OTAN para o Leste Europeu já se aproxima das fronteiras da Rússia e foi exatamente isso que motivou a intervenção russa na Ucrânia, pois o governo ucraniano já havia pedido sua inclusão à OTAN.

A Multipolaridade comandada pelos BRICS e outras nações emergentes

A ascensão política, econômica e militar da China e o desenvolvimento de nações como Rússia, Índia, Irã, Turquia, Egito, Paquistão, Brasil, entre outras nações, já indicam que a velha ordem unipolar está morrendo e a multipolaridade já está na maternidade. Mas, como dizia Marx, a violência é a parteira da História.

Vejamos como se expressa essa violência, atualmente: congelamento das reservas internacionais russas, sob controle, agora, do imperialismo ocidental (EUA e UE); bloqueio dos mercados para os produtos russos como já vem ocorrendo em relação à RPC, Irã, Cuba, Venezuela etc.; rejeição e fobias em relação aos produtos culturais dos países bloqueados etc. e apoio material e financeiro à Ucrânia na luta contra a Rússia.

A China e suas alianças comerciais; sua política de investimentos maciços em outros países, a assim chamada nova Rota da Seda; criação de commodities como referência de lastro para uma nova moeda; sua posição firme em relação à paz, à multipolaridade, tudo isso já aponta para uma nova ordem mundial.

(Nota: o texto de Roger Keeran e Thomas Kenny, intitulado O Colapso Revisitado da União Soviética, está em nosso modesto site www. notassocialistas.com.br) - solonsantos@yahoo.com.br - Ligeiras notas, 02/04/22..