EMPREENDEDORISMO E DESEMPREGO REAL

Apreender a relação capital-trabalho neste século XXI, impõe que  sejamos capazes  de  recuperar a  história  do  desenvolvimento capitalista,  no  mínimo,  atentos  à  lei  geral  da  acumulação  e  ao desenvolvimento  desigual  e  combinado,  desde  a  cumulação primitiva até os dias atuais.

Partimos,  portanto,  dessas  premissas  para  fazer  uma  crítica  ao empreendedorismo, como alternativa ao desemprego, mundialmente propagada. Para a semelhança do trabalho informal, que no fim do século passado (sec. XX) conquistou corações e mentes de todos os fiéis seguidores do  Capital e  do Estado, fossem eles acadêmicos, políticos  ou  capitalistas,  agora  o  empreendedorismo  parece  ser  a solução para o desemprego neste século.

O empreendedorismo, a meu ver, nada mais é uma modalidade de  trabalho  informal que,  sob  o  manto  da  autonomia,  faz  o sujeito  empreendedor  imaginar  que  basta  ser  patrão  ou empregado – às vezes de si mesmo – para ter a chance de mudar de classe social.

O empreendedor, com raríssimas exceções, apesar de conformar um híbrido entre patrão e empregado, não deixa de  ser trabalhador, portanto,  não  pode,  objetivamente,  gozar  da  autonomia  pela qual  é  seduzido  pelo  deus  Capital,  cuja  finalidade  é,  além  de reduzir  os  custos  da  produção,  apagar  do  imaginário  social  a categoria do trabalhador proletário (a Luta de Classes). Para a semelhança do trabalhador informal, a atividade do empreendedor é regida pela lei do valor; como são todas as relações na sociedade capitalista. Aparentemente, o sujeito trabalha para si mesmo, o que significa não ter um empregador. Contudo, submetido ao mercado, cujas regras são inflexíveis, o sujeito empreendedor tem o pior dos patrões.

O  empreendedorismo,  conforme  é  derivado  da  produção  do toyotismo,  ratifica  essa  estratégia  capitalista,  como  fator determinante do crescimento econômico e de transformação social.
Sob a minha perspectiva, o empreendedorismo é uma estratégia pela  qual  é  transferida  ao  trabalhador  a  atribuição  de  gerar postos de trabalho, de modo a garantir o “status quo” capitalista; é  um  ardil  engendrado  pelo  próprio  Capital  (o  Capitalismo Financeiro) e conivência do Estado, para confundir a oposição das classes sociais; é uma tentativa de anestesiar das mentes a figura  do  trabalhador  proletário  e,  desse  modo,  pôr  fim  ao  sujeito revolucionário; é, enfim, uma forma pela qual se quer combater o desemprego, sem possibilitar a relação de emprego, na acepção de um contrato pelo qual o trabalhador vende força de trabalho e em  troca recebe um salário e  a proteção  social  que,  por lei, ainda  é  garantida  aos  trabalhadores  percebidos  como assalariados. Contudo, sejam quais forem os meios de persuasão, o trabalho assalariado continua sendo a base da relação do Capital.

A  progressiva apropriação do  tempo  do  trabalhador  pelo  capital é prova inconteste dessa realidade. Mas,  apesar  das  evidências,  sobretudo  sob  o  neoliberalismo,  a relação  capital-trabalho  sofre  de  obscurantismo  na  prática  como também na teoria. A relação com o trabalhador é um transtorno que o Capital gostaria de evitar e, por outro, o trabalho como criador de riqueza  é  uma  verdade  que  se  tenta  negar.  Por  mais  que  a financeirização (o capital financeiro) da economia transforme capital improdutivo em produtivo, o capital não abre mão da mais-valia.
Suplanta  a  <mais-valia  absoluta=,  isto  é,  uma  forma  muito  mais exploradora do trabalhador, do qual vende a sua força de trabalho por  uma  produção  mais  exploradora  de  quem  são  os  donos  dos meios  de  produção.  Daí  a  importância  de  se  encontrar  formas geradoras de mais mais-valia, cuja relação visível não se caracterize.

A Saída encontrada pelo capitalismo na sua forma “especulativa parasitária” é a rentabilidade sem necessidade de sujar as mãos na produção. Criar lucro a partir do nada. como assalariamento, a exemplo de empreendedorismo. Para isso, a interferência do Estado é providencial, pois é a sua função criar o aparato  legal  através  do  qual  a  relação  capital  faz  da  força  de trabalho  uma  empresa.  Assim,  aquela  relação  que,  no  padrão fordista, era visível entre capital e trabalho, pois a negociação básica era a compra e a venda da força de trabalho, assume outra aparência no período toyotista. Esta permite afirmar a autonomia do trabalho no capitalismo  ou  até  transmutar  trabalhadores  em  capitalistas.

O que é transacionado é a mercadoria força de trabalho:

Tendem a negar que a riqueza produzida seja resultado do trabalho produtivo. Nesse sentido, as saídas oferecidas para a crise são: a precarização  do  trabalho  –  apelam  à  autonomia  e  à independência do trabalho, movimento que, na prática, revela o quão penoso é ter o mercado como patrão.

A saída encontrada pelo capitalismo na sua forma “especulativa  e parasitária” é a rentabilidade sem necessidade de sujar as mãos com a produção. Por maiores que tenham sido as transformações por que passou,  há  uma  coisa  que  o  capitalismo  ainda  não  conseguiu inventar:  como  criar  riqueza  econômica,  criar  excedente  e,  em particular, criar lucro a partir do nada. A riqueza econômica é e será resultado  do  trabalho  produtivo.  Mudam  as  formas,  mas  o  fim capitalista persiste inalterado. Atendem a interesses econômicos oriundos de leis intrínsecas ao próprio desenvolvimento do capital na busca da reprodução ampliada (Exploração, e mais exploração do trabalho produtivo!).

É sabido que a conquista do horário de trabalho das oito horas foi respondida com a intensificação do trabalho!  A consagração da educação pública generalizada veio, poucas décadas depois, acompanhada de mão de obra qualificada.

Nada muda, mesmo quando há mudanças: mudanças promovidas pela parceria capital/Estado está o empreendedorismo. A proximidade do empreendedorismo com o trabalho informal remete aos anos 1980. E fora orquestrada pela ilusão da autonomia do trabalho. A proposta de autonomia foi dando lugar ao que passou a ser conhecido como empreendedorismo.

Meios de Trabalho: as atividades informais foram consideradas como uma saída para o desemprego e o subemprego em todas as regiões pobres do mundo:

O  trabalho  informal  que  fora  sinônimo  de  atraso  passou  a  ser moderno, principalmente por reduzir o custo variável da produção. À medida  que  foi  se  acentuando  a  insuficiência  de  empregos  com contrato  formal  de  trabalho,  muitos  trabalhadores  qualificados também começaram a ingressar nas relações informais de produção.

De repente, a  relação  Estado-capital  disseminava  a  grande descoberta: o  que  fora  força  de  trabalho  podia  e  devia,  agora, tornar-se  empresa.  Essa  “novidade”,  orquestrada  pela  ilusão  da autonomia do trabalho, foi ampliando o seu grau de abrangência e convocando  cada  vez  mais  trabalhadores  para  se  tornarem patrões, fosse de alguém ou de si mesmos.

À medida que a  Terceirização  foi  se  ampliando  pelo  mundo,  a proposta  de  autonomia  foi  dando  lugar  ao  que  passou  a  ser conhecido  como  empreendedorismo,  tornando-se  imperativo convencer o trabalhador de que, para sobreviver, ele não precisava mais se subordinar ao Capital.

Para ser empreendedor é necessário os meios de produção que aqui serão chamados de Meios de Trabalho. É cada vez mais improvável que um pequeno empresário venha a ser, um dia, capitalista! O pequeno empresário não é um capitalista, tampouco apenas um trabalhador, mas um híbrido das duas funções. No máximo, um pequeno patrão.

Quase 90% dos empreendedores não têm funcionários e metade ganha só um salário mínimo Dados do Sebrae mostram que País tem cerca de 30 milhões de pessoas com empreendimento próprio, sendo apenas 11 milhões de MEIs. Nove em cada dez donos de negócios no Brasil não têm funcionários. São empreendedores que trabalham por conta própria e desenvolvem todas as funções dentro da empresa, desde o investimento até a venda ou prestação de serviço, segundo dados do Atlas dos Pequenos Negócios, elaborado pelo Sebrae.

Os números – baseados na PNAD Contínua, do IBGE – consideram empreendedores no geral, sem avaliar o tamanho do empreendimento, explica o analista de gestão estratégica da entidade Denis Nunes. Segundo ele, o cenário de não ter empregados é a síntese do Microempreendedor Individual (MEI) brasileiro, mas isso não quer dizer que todos estejam formalizados dessa forma, com CNPJ aberto.

Em dezembro de 2021, mês de fechamento do Atlas, havia cerca de 29,8 milhões de pessoas à frente do próprio empreendimento no País, sendo que 25,9 milhões atuavam de maneira autônoma. No mesmo período, o número de MEIs somavam apenas 11,2 milhões. Para o Sebrae, os dados revelam o enorme espaço para o crescimento de microempreendedores individuais.

Vale ressaltar que esses números voltaram a crescer. Em dezembro de 2019, 24,5 milhões atuavam por conta própria. Porém, um ano depois, já em meio à pandemia, a estatística caiu para 23,2 milhões. A partir do início do ano passado os números passaram a ter um aumento relevante, chegando ao patamar mais recente, de quase 26 milhões, em dezembro de 2021. ”Em cenário de alto desemprego e crise sanitária, as pessoas procuraram se ocupar, para conseguirem ter renda. Com as restrições, alguns viram oportunidades”, diz Nunes, do Sebrae.

Segundo ele, esse movimento é essencial para movimentar a economia. O que não cabe é ficar totalmente parado. “O empreendedorismo acaba sendo a saída da crise para muitas pessoas.”
Ele explica que vários empreendimentos acabam ficando na informalidade, sem CNPJ, porque não sabem exatamente o que vai deslanchar. “A pessoa vende várias coisas, uma pela manhã, outra à tarde e mais uma outra no período da noite. Se uma dessas opções der certo, aí, sim, pode ser que formalize a empresa.”

Salário mínimo: Neste cenário, como o negócio existe para que a pessoa consiga tirar o próprio sustento, é muito difícil ter estrutura para contratar alguém sob as leis da CLT. Por isso, o empreendedor acaba atuando por conta própria.

Os valores que o indivíduo consegue ter de “salário” não são altos. De acordo com o levantamento do Sebrae, quase metade (45%) dos donos de negócios no Brasil ganham até um salário mínimo como renda mensal. Além disso, 27% tiravam, por mês, de um a dois salários mínimos.

Lucas Anouck, de 26 anos, que atua como publicitário e produtor para PMEs no ramo de moda, é MEI. Ele conta que até pensa em contratar um assistente, que o deixaria mais “livre” para conquistar novos clientes. “Queria fazer mais prospecção”, diz o publicitário. Mas isso é uma ideia para o futuro. Hoje, por conta dos custos que um funcionário gera e pela renda mensal própria ainda ser instável, ele diz que é impossível.

A saída, diz Anouck, é fechar contratos de prestação de serviço com outros autônomos. “Se um cliente precisa de fotos ou aumentar engajamento de redes sociais, eu faço a ponte com profissionais especializados. Então, organizo a produção, seleciono modelo, vou atrás de fotógrafo.”

Eu acrescentaria ainda o seguinte: Um outro tipo de empreendedor que vemos pelas ruas: Ele não tem férias; não folga nos fins-de-semana; não tem plano de saúde; não vai se aposentar; ele não é empregado do restaurante, nem da empresa de entrega, tampouco de quem encomenda; por fim, ele aluga a bicicleta para trabalhar.

solonsantos@yahoo.com.br - Fonte: dados divulgados pelo jornal O Estado de São Paulo, 13/08/22

INGRATIDÃO
Nunca mais me esqueci! … Eu era criança
E em meu velho quintal, ao sol-nascente.
Plantei, com minha mão ingênua e mansa.
Uma linda amendoeira adolescente.
Era a mais rútila e íntima esperança…
Cresceu… cresceu… e, aos poucos, suavemente.
Pendeu os ramos sobre um muro em frente
E foi frutificar na vizinhança…
Daí por diante, a vida inteira.
Todas as grandes árvores que em minhas
Terras, num sonho esplêndido, semeio,
Como aquela magnífica amendoeira.
E florescem em chácaras vizinhas
E vão dar frutos no pomar alheio…
Raul de Leôni – RJ, 1885-1926
(Livro: Luz Mediterrânea)

 VANDALISMO
 Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.
Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas,
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.
Como os velhos templários medievais,
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos...
 E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas,
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!
Augusto dos Anjos, PB, 1884-1914
(Livro: Eu e outras poesias)

A MOENDA
Na remansosa paz de rústica fazenda,
À luz quente do sol e fria do luar,
Vive, como a espiar uma culpa tremenda,
O engenho de madeira a gemer e a chorar!
Ringe e range rouquenha a rígida moenda,
E ringindo e rangendo a cana a triturar,
Parece que tem alma, advinha e desvenda
A ruína, a dor, o mal que vai, talvez, causar!
Movida por bois tardos, velhos, sonolentos,
Geme como a exprimir em doridos lamentos
Que as desgraças por vir sabe-as todas de cor!
 Ai dos tristes ais! Ai, moenda arrependida!
Álcool, para esquecer os tormentos da vida,
E cavar, sabe Deus, um tormento maior!
Antônio Fr. da Costa e Silva, PI, (1885-1950)