CANDIDATOS E DISCURSOS ELEITORAIS

 

A respeito do discurso do Serra, que certo internauta entendeu como sendo estruturante, coerente, resolvi tecer alguns comentários sobre a idealização política deste tipo de candidatos.

 

Essa categoria de políticos fala muito em crescimento econômico, quando deveria falar em desenvolvimento. Há diferenças básicas entre esses termos, O crescimento econômico não incorpora necessariamente as grandes massas no processo de decisão política de um país, elas continuam desorganizadas, sem opinião e participação, por isso elas são massa e não povo.

 

As massas somente se transformam em povo quando elas se organizam, desenvolvem sua consciência de classe, formam opinião a partir de seus próprios interesses e participam do processo de transformação de suas realidades sociais.

 

O crescimento econômico de que tanto falam e propõem esses tipos de políticos e atuais pretendentes à governança do país, já foi realizado. O Brasil não é mais um país subdesenvolvido, ele é apenas um país injusto.

 

Características do capitalismo brasileiro e a partição da renda nacional

 

Um país injusto exatamente pelo fato de termos apenas crescimento econômico, que tem significado concentração de riqueza em mãos de uma minoria. Os dados do IBGE demonstram isso: 50% dos brasileiros recebem entre meio e dois Salários Mínimos, sendo que 20% dos trabalhadores recebem apenas meio S. M. Essa, infelizmente, tem sido a característica do crescimento econômico defendido pelos políticos representantes da burguesia.

 

O capitalismo brasileiro já realizou as principais etapas do desenvolvimento desse modo de produção. O Brasil produz, hoje, cem por cento dos bens de consumo e a quase totalidade dos bens de produção;

 

O Estado brasileiro, do ponto de vista jurídico, é moderno, embora injusto; os aparelhos repressivos e ideológicos são eficientes e de longo alcance; O capital produtivo já se internacionalizou, há empresas brasileiras extraindo mais-valia em diversas partes do mundo;

 

O capital financeiro já se descolou do capital produtivo ou, pelo menos, tem enorme autonomia, senão hegemonia. Sirva-se de exemplo as bolhas financeiras, as especulações nas bolsas de valores, exemplos recentes de seu poder de gerar crises globais.

 

 Ligeiro perfil agrário e agrícola do Brasil

 

O agronegócio, que no Brasil é o projeto agrícola hegemônico, está perfeitamente integrado aos jogos de interesses do mercado global, viabilizado por meio das trade company, as commodities. Sua estratégia é concentrar a propriedade da terra para aumentar cada vez mais sua escala de produção. Para alcançar tal objetivo, ele tem de expulsar a população rural para as grandes cidades, porque o agronegócio não oferece oportunidades de trabalho suficientes aos trabalhadores rurais.

 

Com relação à concentração das terras em mãos de uma minoria, citamos, em seguida, alguns dados do perfil agrário brasileiro: as propriedades de médio porte (200 a 2000 ha) respondem por 6% do total de imóveis e 36% da área; aquelas acima de 2 mil hectares, embora não cheguem a 1% do total, ocupam 35% da área agricultável do país, enquanto micros e pequenas propriedades, que representam 92% do total de propriedades existentes no Brasil, ocupam apenas 28% da área total.

 

O agronegócio, como é sabido, agride a natureza, pois a monocultura, que é uma característica de cultivo desse tipo de empreendimento, destrói todas as outras formas de vida vegetal e animal, e só consegue produzir com elevado uso de venenos agrícolas. Por essa razão, o Brasil se transformou no maior consumidor mundial de agrotóxicos do mundo, que são, aliás, produzidos por empresas transnacionais. Essas transnacionais também dominam o mercado de sementes transgênicas, além de controlar o preço dos produtos agrícolas. 

  

Para o modo de produção capitalista vigente no Brasil, a reforma agrária já foi realizada, e ela tem exatamente o perfil agrário atual. O MST, que defende a agricultura familiar, o outro projeto agrícola em luta com o agronegócio, só terá sucesso se incorporar apoios vindos de outros setores da sociedade brasileira. Apenas a invasão de terras, modalidade atual de luta do MST, não basta.

 

A agricultura familiar, como sabemos, privilegia a produção para o consumo interno, e ela, geralmente, utiliza mão de obra intensiva, preza o meio-ambiente, e esse tipo de projeto agrícola alternativo interessa a outros setores da sociedade, tais como trabalhadores urbanos, estudantes e, talvez, profissionais liberais, pessoas de estratos de renda média.

 

Alternativas políticas testadas atualmente na América Latina

 

Há, hoje, América Latina, duas alternativas políticas que estão sendo testadas. A primeira está circunscrita dentro dos limites institucionais burgueses. E aqui duas opções:

 

1) priorizar os interesses das classes dominantes, dando continuidade ao processo de acumulação de capital, subordinando o papel político do Estado aos interesses do mercado, e, naturalmente, sem grandes compromissos ambientais. Quanto à política externa, estariam aliados aos interesses mais gerais do imperialismo das grandes potências.

 

Os representantes dessa diretriz política, no Brasil, incluem majoritariamente candidatos de partidos como o PSDB, DEM, PPS (os mais expressivos ideologicamente) que defendem a redução do papel do Estado, subordinando-o aos interesses do mercado financeiro, e privatizando empresas e serviços públicos. O investimento público, nestes casos, privilegia geralmente a construção de obras para segmentos sociais de renda média. São os rodoanéis, as linhas vermelhas, os viadutos, o alargamento das marginais e a consequente eliminação das ilhas verdes, apenas para dar mais espaço aos automobilistas etc.

 

Enquanto os representantes desses partidos políticos governam para segmentos minoritários da sociedade, as favelas se multiplicam, o transporte de massa continua precário e o SUS permanece em coma na UTI.

 

Em termos mais gerais, diríamos que o DEM representa prioritariamente o agronegócio, o latifúndio, um projeto político mais atrasado. Sua representante política atual no Legislativo brasileiro é a senadora Kátia Abreu da CNA que defendem abertamente os interesses ruralistas.

 

Quanto ao PSDB, entendemos que esse partido também privilegia um segmento social específico: o capital financeiro, que hoje é mais internacional do que nacional.  Aliás, anotamos, em seguida, um trecho de notícia veiculada pelo jornal HP, de 18/06/2010, declaração de um executivo do Citybank que veio confirmar nossa hipótese sobre a opção política e ideológica do PSDB. (...) Por falta de título eleitoral vai ficar um pouco difícil o mercado votar. Mas o economista-chefe do Citibank, Willem Buiter, informou que os especuladores não estão satisfeitos com o crescimento da economia brasileira e torcem por Serra. “Não fazemos apostas em eleições, mas não tenho dúvida que o mercado gostaria de ver a vitória de Serra”, disse (Serra então candidato à presidência da República).

 

A tática eleitoral atual desse Partido é propagandear a competência do candidato Serra, discurso manjado e copiado do ex-prefeito paulista Paulo Salim Maluf. Vale, contudo, perguntar: competência para que? Para saber quem melhor defende e gerencia os interesses da classe dominante?

 

1.1) Outra opção política ainda dentro do marco das instituições burguesas é a da concertacion, solução burguesa encontrada para a realidade chilena. Lá, como cá, os partidos tidos como de centro-esquerda trocaram a mudança pela governabilidade. De qualquer maneira, qualquer uma dessas opções políticas mencionadas representa alternativa de governo e não de poder.

  

No Brasil, por exemplo, o governo do PT optou pelo caminho dos acordos burgueses e para calar as lideranças do proletariado, principalmente as sindicais, cooptou-as, oferecendo-lhes oportunidades de trabalho junto a empresas, entidades diversas, fundos previdenciários e órgãos da administração pública. Há pessoas que estimam um número de 50 mil cargos em mãos dessas lideranças, todas elas representantes ideológicas dos partidos da base de apoio do governo Lula. Para os deserdados do capitalismo, o governo sabiamente formulou políticas compensatórias para as famílias sem renda; e para a juventude estudantil, pró-uni e cotas para afrodescendentes etc.

 

Políticas compensatórias recomendadas pelo Dissenso de Washington

 

Essas políticas sociais compensatórias e praticadas, atualmente, já haviam sido recomendadas pelo Dissenso de Washington (1998), logo após a exaustão do Consenso de Washington (1989-98).

 

O Consenso de Washington, como sabemos, foi o nome pelo qual ficou conhecido o acordo entre economistas ligados ao FMI para a formulação de políticas macroeconômicas de caráter neoliberal e que pudessem ser aplicadas na maior parte do mundo, notadamente nos países economicamente menos desenvolvidos.

 

A política neoliberal, que vigorou durante toda a década de 1990, decorreu da necessidade de acumulação de capital por parte dos países centrais. Os governos da maioria dos países da periferia do capitalismo estavam bastante endividados, incapazes de honrar seus compromissos externos. A solução encontrada e proposta para esses países foi exatamente o neoliberalismo que significou a abertura comercial ampla, a desregulamentação dos mercados, a privatização de empresas e serviços públicos, e a imposição da responsabilidade fiscal ao Estado.

 

Os resultados dessa política são bastante conhecidos: supriu a necessidade de capital do imperialismo, à medida que lhe propiciou o incremento de sua capacidade tecnológica e consolidou o processo da reestruturação produtiva capitalista. Em contraposição, aprofundou o grau de dependência dos países economicamente menos desenvolvidos, criando, simultaneamente, um tipo de crescimento econômico que prima pela exclusão de enormes contingentes do proletariado. Essas contradições contribuíram para a crise financeira dos mercados globais, de 2008, que é, no fundo, uma crise que inviabiliza a continuidade do processo de acumulação do Capital, nos termos em que ela vinha se realizando. 

  

Esgotados os resultados das políticas neoliberais, os mesmos formuladores do Consenso de Washington passaram a recomendar ligeira mudança quanto aos rumos da economia mundial, propondo, agora, a recuperação do papel do Estado, atribuindo-lhe maior grau de intervenção nos mercados financeiros; recuperando sua iniciativa como indicador de oportunidades de negócio; partícipe nos empreendimentos das chamadas parcerias público-privadas; e, principalmente, como agente de políticas sociais compensatórias. Essa nova orientação ficou conhecida como o Dissenso de Washington.

 

O que vemos, portanto, na atual conjuntura político-econômica é a prática política do Dissenso de Washington, em vários países da America latina, inclusive no Brasil. O governo do PT, por exemplo, recuperou o papel do Estado como formulador de programas. O PAC é um conjunto de ações políticas, voltado principalmente para investimentos em infraestrutura, logística, transporte e moradia, viabilizado por meio de parcerias público-privadas. Quanto às políticas sociais compensatórias do PT, todos nós as conhecemos muito bem.

 

O governo mantém, também, seu compromisso com a responsabilidade fiscal, pois sua dívida pública (46% do PIB) consome em juros e amortizações cerca de um terço de seu orçamento, obrigando-o a manter, por isso, enorme superávit fiscal.

 

A política praticada pelo governo do PT, embora tenha proporcionado ligeiros ganhos de emprego e renda para os trabalhadores, o que não acontecia no governo do PSDB-DEM-PPS, ainda está circunscrita dentro dos limites das instituições burguesas. Esse tipo de política, no entanto, não mobiliza a sociedade, ao contrário, ela desarma o proletariado.

 

2) Alternativa de governo como perspectivas de mudança

 

E, aqui, mencionamos a segunda alternativa política que está sendo testada principalmente na Venezuela e na Bolívia. Alternativa que tenta romper o limite da governança burguesa.

 

Quanto aos caminhos trilhados pelo povo venezuelano e suas realizações sociais, valemo-nos de ligeiros trechos de uma entrevista de um professor estadunidense, estudioso da realidade venezuelana. Segundo o professor, e em suas próprias palavras, a Revolução Bolivariana colocou o socialismo democrático na agenda mundial depois de atravessarmos um período na década de 1990 em que muitos ficavam mesmo alarmados em falar de socialismo, quando parecia que o capitalismo global havia atingido o pico da sua hegemonia e quando alguns na esquerda compravam a tese do "fim da história".


A Revolução Bolivariana deu às massas pobres e em grande medida afro-caribenhas a sua voz pela primeira vez desde a guerra da independência do colonialismo espanhol. O governo Chavez reorientou prioridades para a maioria pobre. Ele foi capaz de utilizar os rendimentos do petróleo, em particular, para desenvolver saúde, educação e outros programas sociais que tiveram resultados dramáticos na redução da pobreza, eliminando virtualmente a iliteracia (analfabetismo) e melhorando a saúde da população. Organizações internacionais e agências de recolha de dados têm reconhecido estas notáveis realizações sociais.


Contudo, como alguém (o professor) que visita a Venezuela regularmente, diria que a mudança mais fundamental desde que Chavez chegou ao poder não é a destes indicadores sociais, mas, sim, o despertar político e sócio-psicológico da maioria pobre – um vasto processo popular de mobilização das bases, expressão cultural, participação política e participação no poder.

 

A velha elite e a burguesia foram parcialmente substituídas no Estado e do poder político formal – embora não inteiramente. Mas o medo real e o ressentimento dos velhos grupos dominantes, o pânico e o seu ódio contra Chavez é porque eles sentiram deslizar do seu domínio a capacidade confortável de exercer dominação cultural e sócio-psicológica sobre as classes populares como o fizeram durante décadas, mesmo séculos.

 

Naturalmente, ali ainda há outros muitos mecanismos por meio dos quais a burguesia e os agentes políticos do ancien regime (antigo regime) são capazes de exercer sua influência, particularmente através dos mass media (mídia de massas) que em grande medida ainda estão em suas mãos... E eis porque as batalhas nos media (na mídia) na Venezuela desempenham um papel tão proeminente.

 

Diríamos que essa experiência, essa segunda opção política, posta em prática na Venezuela e até certo ponto na Bolívia e no Equador, está a rebelar-se contra os limites da reforma redistributiva dentro da lógica do capitalismo global, especialmente considerando a atual crise do capitalismo global. O antineoliberalismo que não desafia mais fundamentalmente a própria lógica do capitalismo choca-se contra limitações que podem agora ter sido atingidas.

 

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