História e Socialismo

 

O estudo dos fatos sociais passou a ter um cunho científico, a partir de meados do século XIX, na Europa ocidental, graças à contribuição teórica de Marx e Engels. O materialismo dialético marxista provém do estudo do pensamento materialista alemão (Feuerbach, por exemplo), da dialética alemã de Hegel, das teorias econômicas inglesas (Smith e Ricardo), dos escritos de historiadores franceses (Thierry, Guizot etc.), dos socialistas utópicos franceses e ingleses (Saint-Simon, Fourier, Proudhon, Owen etc.).

 

Outras contribuições importantes para a elaboração do pensamento marxista foram os estudos filosóficos de Marx e Engels; a formação filosófica de Marx que defendeu tese sobre o pensamento materialista dos pré-socráticos gregos (Demócrito e Epicuro), e o conhecimento científico acumulado de sua época. A Ciência já havia descoberto a célula viva, o transformismo da energia, o desenvolvimento da natureza orgânica (Darwinismo). Essas foram, em síntese, as fontes, as vertentes do pensamento materialista dialético marxista.

 

Marx e Engels não ficaram, contudo, apenas estudando, sentados, imobilizados em sua torre de marfim, mas participaram entusiasticamente dos movimentos políticos de seu tempo, sem o que não teriam enriquecido sua prática social e contribuído, assim, para a elaboração de um método científico de investigação dos fenômenos naturais e sociais que dá resposta às questões da Natureza e da Sociedade. Eles devolveram em teoria para os trabalhadores o que aprenderam com a prática dos movimentos operários.

 

Duas grandes descobertas do marxismo proporcionaram as bases para o desenvolvimento do socialismo científico: a concepção materialista da História, isto é, tratar os fatos históricos como realidades materiais, passíveis de serem estudadas e compreendidas; e o desvendamento do mistério da produção, isto é, atividade por meio da qual os homens asseguram seus meios de subsistência material e que condiciona, por seu turno, o desenvolvimento das sociedades.

 

Marx e Engels formularam um corpo de conceitos que permite ao homem pensar sua própria realidade histórica. Eis alguns desses conceitos: modo de produção; força de trabalho, forças produtivas; meios de produção; relações de produção; lei da correspondência necessária entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção; mais-valia; luta de classe; práxis (práticas: social, trabalho, pesquisa); estrutura e superestrutura etc. Reconceituação de Estado, governo, classes sociais, valor, ideologia etc. Explicitação do processo ou circularidade da produção, distribuição, intercâmbio e consumo etc.

 

A união da teoria  marxista com o movimento operário ocorreu a partir da explicação dialética do processo de exploração capitalista e da indicação do caminho para a fundação de uma sociedade alternativa, de natureza socialista. A determinação operária de acabar com sua condição de classe explorada, fundando uma sociedade socialista, viria concretizar-se com a constituição de um partido comunista. O partido comunista é a entidade superior dos trabalhadores; somente por meio dele a classe operária pode colocar para si um projeto político que acabe com a exploração do homem pelo homem.

 

Em termos mais gerais, o método dialético marxista, segundo Stalin,  parte do ponto de vista de que os objetos e os fenômenos da natureza supõem contradições internas, porque todos têm um lado negativo e um lado positivo, um passado e um futuro; todos têm elementos que desaparecem e elementos que se desenvolvem; a luta desses contrários, a luta entre o velho e o novo, entre o que morre e o que nasce, entre o que perece e o que evolui, é o conteúdo interno do processo de desenvolvimento, da conversão das mudanças quantitativas, em mudanças qualitativas. E Mao Tsé-Tung complementa: as contradições inerentes às coisas e aos fenômenos são as causas fundamentais do seu desenvolvimento.

 

Segundo esses teóricos, as coisas, entretanto, não estão isoladas dos fenômenos que as cercam, mas estabelecem liames com as realidades exteriores, pois tudo se relaciona (primeira característica da Dialética). Um fenômeno só é compreendido e explicado quando considerado do ponto de vista de sua ligação indissolúvel com os fenômenos que o cercam, quando considerado tal como ele é condicionado pelos fenômenos que o cercam. Nenhum fenômeno pode ser compreendido, quando encarado isoladamente, fora dos fenômenos circundantes.

 

A ação das condições externas é necessária à mudança das realidades, mas a ação exterior seria inoperante se não houvesse contradições internas aos fenômenos. As contradições internas de cada fenômeno são a marca de  sua especificidade. (A transformação universal e a mudança qualitativa são, respectivamente, segunda e  terceira características da Dialética marxista).  

 

A contradição além de ser interna é inovadora, isto é, o novo emerge do velho como resultado de uma luta que culmina com a morte do velho; não é, pois, uma síntese; é vitória de um e morte do outro (é na criança e contra ela que desenvolve o adolescente; é no adolescente e contra ele que amadurece o adulto). Foi no seio da velha sociedade feudal, e contra ela, que cresceram as forças novas de produção e as correspondentes relações de produção, das quais deveria sair a sociedade capitalista.

 

Há unidade dos contrários, isto é, a contradição encerra pelos menos dois termos que se opõem, mas que são inseparáveis (não há burguesia, sem proletariado; não há proletariado, sem burguesia; sem vida, não há morte; sem morte não há vida; sem o fácil, não há o difícil). A dialética jamais separa os contrários; ela os apresenta em sua unidade indissociável. Quando o proletariado, por exemplo, desaparecer como classe explorada, então a burguesia desaparecerá como classe exploradora. A unidade dos contrários é condicionada, temporária, passageira, relativa, mas a luta dos contrários, que reciprocamente se excluem, é absoluta. (Luta dos contrários: quarta característica da Dialética).  

 

A contradição é universal, tanto no mundo físico quanto na sociedade, desde as formas de atração e repulsão do mundo físico às contradições sociais entre homens e natureza, e entre classes sociais distintas e antagônicas. A contradição pode desenvolver-se e tornar-se antagônica.  Antagonismo é o momento mais agudo da contradição, o momento da luta aberta entre os contrários, cuja resolução será sempre a morte do velho e a emergência do novo. A luta dos contrários é o motor de toda transformação.

 

Onde houver diferença já há uma contradição, a diferença é uma contradição. Desde que apareceram a burguesia e o proletariado, nasceu uma contradição entre o trabalho e o capital, mas, naquela época, as contradições ainda não tinham se agravado o bastante para que fossem percebidos os fundamentos de suas realidades. Por isso, tornava-se difícil entender os males do capitalismo antes da primeira metade do século XIX. Somente a partir dos anos cinquenta daquele século, as contradições entre capital e trabalho já havia se agravado a tal ponto que permitiram a Marx e Engels entenderem a lógica do modo de produção capitalista.

 

A especificidade da contradição: segundo Mao Tsé-Tung, toda forma de movimento contém suas contradições específicas, constituindo a natureza específica dos fenômenos, o que o distingue dos outros fenômenos. É ainda nisto que reside a causa interna ou a base da diversidade infinita das coisas e dos fenômenos que existem no mundo. Uma mesma quantidade de calor aplicada a um ovo fertilizado ou a um copo d’água ocasionará eventos distintos, pois cada aspecto da realidade tem seu movimento próprio e, portanto, suas contradições próprias. É a natureza especifica de cada etapa do movimento da matéria que explica a diversidade das ciências.

 

O universal e o específico são inseparáveis: partindo-se do específico, da experiência sensitiva, do estudo metódico, pode-se chegar ao universal, às relações múltiplas com os fenômenos que cercam e condicionam o especifico estudado; por outro lado, a inteligência do universal permite o aprofundamento do conhecimento sobre o mesmo específico estudado. Foi estudando as contradições específicas do capitalismo de sua época que Marx descobriu a lei universal da correspondência entre relações de produção e forças produtivas. Conseguiu, então, compreender as contradições específicas dos regimes sociais anteriores ao capitalismo, uma vez que essas contradições decorrem da lei universal da correspondência, acima mencionada; foi-lhe possível um estudo cada vez mais aprofundado, cada vez mais específico, do próprio capitalismo no seu movimento subsequente.            

 

Segundo Politzer, a luta dos contrários, além de ser o motor da Historia, é motor do pensamento. O pensamento é um momento do desenvolvimento  do acontecer universal.  A dialética do pensamento é, em sua essência, da mesma natureza que a dialética do mundo; sua lei fundamental é, pois, a contradição. E citando Lênin, ele afirma que o conhecimento é o processo pelo qual o pensamento se aproxima, infinita e eternamente, do objeto. O reflexo da natureza no pensamento humano deve ser compreendido, não de maneira morta, não sem movimento, não sem contradições, mas no processo eterno do movimento, do nascimento das contradições e de sua resolução.

 

Se a realidade é luta de contrários, cabe ao estudioso descobrir seus elementos constitutivos, suas múltiplas relações interna e externa e o sentido do desenvolvimento de suas contradições.

 

O capitalismo está constituído por um par social de contradições: de um lado, os burgueses, proprietários dos meios de produção; de outro, os trabalhadores, proprietários apenas de sua força de trabalho. A separação dos trabalhadores de seus meios de subsistência é a condição necessária para que se constitua uma sociedade fundada em classes sociais distintas e antagônicas. A contradição capitalista é exatamente esta: produção social, resultado dos esforços comuns dos trabalhares, e apropriação privada do valor-produto por uma fração inexpressiva do povo.

 

Essa contradição gera a luta de classe que se expressa, geralmente, por meio das instituições de cada sociedade. Todas as vezes que se aprova uma Lei ou baixa-se uma medida de política-econômica concreta que não atende aos interesses dos trabalhadores, a burguesia marca um ponto na luta de classe.  E assim será em todas as questões de interesse dos trabalhadores, seja o Ensino, a Saúde, a moradia, os empregos etc.

 

Só o socialismo funda uma sociedade sem classes, uma sociedade apenas de trabalhadores. O Estado, neste caso, perderia sua função de dominação de classes e exerceria apenas a função de administração de coisas.  Ao proletariado, cabe, portanto, uma missão redentora, a saber: libertar-se enquanto classe dominada e, em decorrência, libertar a burguesia de sua condição de algoz.      

       

 

solonsantos@yahoo.com.br  - notassocialistas.com.br - consulte o livro: Conceitos Fund. de Filosofia, G. Politzer.