GREGÓRIO DE MATOS E GUERRA

(Salvador, 1636  - Recife, 1696)

 

Gregório de Matos Guerra, filho de família abastada, pôde concluir seus estudos, em Portugal, quando para lá viajou em 1651, ingressando no ano seguinte na Universidade de Coimbra, onde se formou em Direito, em 1661.

 

Casou-se, em seguida, com Micaela de Andrade, e passou a viver em Portugal, onde ocupou vários cargos na magistratura portuguesa. Enviuvou-se em 1678, e com a morte de sua querida esposa, o poeta entristeceu e desiludiu-se da vida, o que o levou a  retornar a sua Terra Natal, em  1681.

 

Para preencher, talvez, o vazio de sua existência, Gregório de Matos passou a levar uma vida boêmia e desregrada, improvisando poemas acompanhados de viola. Eram poesias satíricas, por meio das quais, ridicularizava os poderosos de sua época, sendo-lhe atribuído, naquela ocasião, o apelido de “Boca do Inferno”. Sua irreverência verbal contribuiu para seu exílio, em Angola, no ano de 1694. Mas Gregório já havia se casado, pela segunda vez, com Maria dos Povos. Um ano após seu exílio (1695), o poeta retornou ao Brasil, mas foi impedido de viver em Salvador. Expulso de sua cidade, partiu, então, para Recife, onde viveria e morreria, em 1696.

 

Gregório de Matos Guerra é um dos principais nomes da literatura brasileira do período colonial. Seus poemas podem ser classificados de líricos (religiosos, morais e amorosos) e satíricos. Segundo alguns autores, o poeta, além de retratar a vida na Bahia seiscentista, foi o primeiro a manifestar conscientemente o sentimento nativista nas letras brasileiras.

 

Suas poesias satíricas eram dardos, flechas incendiárias atiradas em todas as direções e contra todos: o clero, a nobreza, o governo, e o próprio povo. Por meio da poesia, o poeta criticava os padrões de comportamento moral e político da sociedade baiana.

 

A arte em geral do período barroco (1580 a 1750) tem forte traço de religiosidade, razão pela qual prosperou mais nos países de fé católica. O nome “barroco” tem origem, talvez, na  escolástica, onde designava um tipo de silogismo que apresenta uma forma extravagante de raciocínio. O barroco representou uma reação ao classicismo, ao racionalismo, a arte das medidas, a rigidez de princípios. A escultura barroca, por exemplo, ornamentou a Igreja com imagens rebuscadas, anjos que convidam o toque, o contato humano, algo quase sensual. 

 

O barroco não foi, porém, um movimento da Igreja, mas serviu a ela, representando, talvez, uma reação às mudanças ocorridas, na Europa, no mundo dos negócios; à constituição das cidades e ao urbanismo crescente; ao estabelecimento de escolas leigas voltadas para o atendimento da produção e da comercialização, esta última de âmbito mundial, graças às navegações de longo curso; à luta interna entre os novos agentes da produção, a burguesia nascente, e a velha ordem feudal, capitaneada pela nobreza e o clero.

 

As transformações sociais surpreenderam o clero, e eles não estavam preparados para responder as questões colocadas pelos pensadores da nova ordem. E na esteira das contradições, Lutero lançou suas 95 teses (1517), culminando com a Reforma Protestante. A resposta do clero a essas transformações viria mais tarde no bojo da Contrarreforma.

 

Da Contrarreforma saíram medidas que iriam reorganizar a Inquisição (1542), criar a Congregação do Index (1543), impondo a censura livresca, e  instalar o Concílio de Trento (1545-1563) que abordou todos os problemas doutrinais e disciplinares da Igreja Católica. É dessa época a elaboração do catecismo romano (1566), do breviário romano (1568), do missal romano (1570), da criação de seminários diocesanos.

 

Segundo alguns autores, o estilo poético de Gregório de Matos sofreu influência do barroco espanhol, principalmente do grande poeta Luís de Góngora  (1561 – 1627) que além de poeta era capelão do rei. O barroco de Góngora era tido como rebuscado e metafórico. Os versos de Góngora denotavam grande cultura do autor e preciosidade de estilo. Essas qualidades literárias emprestaram seu nome ao próprio gênero poético da escola barroca espanhola, também conhecida por cultismo ou culteranismo ou gongorismo. Assim, quando se diz que a poesia gregoriana é gongórica estão se referindo ao estilo poético de Luis de Góngora.

 

A produção poética de Gregório de Matos é extensa, e alguns autores acham que muitas das poesias a ele atribuídas são, na realidade, de autores desconhecidos. Gregório não publicou nada em vida, suas poesias foram compiladas após sua morte, e somente em 1831 elas passaram a ser mais conhecidas. Sua obra integral, em sete volumes, foi editada, por James Amado, em 1968.

 

Relaciono, a seguir,  os títulos e trechos de algumas poesias: Líricas (amorosas): Custódia (uma das musas do poeta): Ai, Custódia! Sonhei, não sei se o diga, sonhei que entre meus braços vos gozava, oh se verdade fosse o que sonhava!... D. Ângela (outra musa): Anjo no nome, Angélica na cara, isso é ser flor, e Anjo juntamente; Ser Angélica flor, e Anjo florente... Caterina (outra musa): ... Parece aos olhos ser de prata fina? Vês tudo isso bem? Pois tudo ­­é nada à vista do teu rosto, Caterina. E poesia dedicada a sua mulher, Maria dos Povos: Discreta, e formosíssima Maria, enquanto estamos vendo a qualquer hora, em tuas faces a rosa Aurora, em teus olhos, e boca o Sol, e o dia... O poeta, como vemos, apesar da dor pela morte da esposa, não perdeu a capacidade de amar.

 

Líricas (religiosas): Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado, Da vossa piedade me despido, Porque quanto mais tenho delinquido, Vos tenho a perdoar mais empenhado... Ou ainda, em outro poema: Ofendi-vos, meu Deus, bem é verdade, É verdade, meu Deus, que hei delinquido, Delinquido vos tenho, e ofendido, Ofendido vos tem minha maldade...

 

Esses versos revelam, talvez, sentimentos de culpa, de tristeza, mas ao mesmo tempo de leve esperança, próprios da pregação clerical da Contrarreforma Católica. “Boca do Inferno” não é antirreligioso, mas anticlerical, ele criticava a hipocrisia do clero, não o fundamento ético da religiosidade.    

 

Poesias satíricas: Recopilou-se o Direito, e quem o recopilou com dois ff (efes) o explicou por estar feito e bem feito... e assim quem os olhou põe no trato, que aqui se encerra, há de dizer, que esta terra de dois ff se compõe. Se de dois ff composta está a nossa Bahia, errada a ortografia a grande dano está posta, e quero um tostão perder, que isso a há de perverter, se o furtar e o foder bem não são os ff que tem esta cidade a meu ver... Ou quando critica os políticos: A cada canto um grande conselheiro que nos quer governar a cabana, e vinha, não sabem governar sua cozinha, e podem governar o mundo inteiro... outro, O Mau Governo: Senhor Antão de Sousa Meneses, que sobe a alto lugar, que não merece, homem sobe, asno vai, burro parece, que o subir é desgraça muitas vezes... ou ainda, Ao Governador Antônio Luís: Sal, cal, e alho caiam no teu maldito caralho. Amém. O fogo de Sodoma e de Gomorra em cinza te reduzam essa porra. Amém. Tudo em fogo arda, Tu e teus filhos, e o Capitão da Guarda.

 

Ao ler os poemas satíricos de Gregório de Matos, podemos compreender as razões de sua perseguição e de seu posterior exílio. O poeta era realmente corajoso e sua lira estava a serviço da ética, dos interesses maiores do País. Suas poesias, por outro lado, descrevem de maneira bem humorada e algumas vezes debochada a realidade cotidiana da cidade do Salvador, que era, aliás, em seu tempo,  a capital do Brasil.

 

E por falar em poesia, abaixo, versos de outros poetas:

 

AL PERDERTE

 

Al perderte yo a ti

Tú y yo hemos perdido:

Yo por que tú eras

lo que yo más amaba.

Y tú por que yo era

el que te amaba más.

Pero de nosotros dos,

Tú pierdes más que yo

porque yo podré amar a otras

como te amaba a ti,

pero a ti no te amarán

como te amaba yo.

 

 

AO PERDER-TE

 

Ao perder-te eu a ti

Tu e eu temos perdido.

Eu porque tu eras

O que eu mais amava;

E tu porque eu era

O que te amava mais

Porém de nós dois

Tu perdes mais do que eu

Porque eu poderei amar a outras

Como te amava a ti,

Porém a ti não te amarão

Como te amava eu!

 

Ernesto Cardenal – poeta, sacerdote e revolucio-

nário nicaragüense. Ministro da cultura, em 1983.

 

O ANALFABETO POLÍTICO (Brecht)


O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão,
do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio depende das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, corrupto e lacaio dos exploradores do povo.

 

PRIVATIZARAM

 

Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. 
É da empresa privada o seu passo em frente, 
seu pão e seu salário. E agora não contente querem 
privatizar o conhecimento, a sabedoria, 
o pensamento, que só à humanidade pertence

 

OS LUTADORES (Brecht)

 

Há aqueles que lutam um dia, e por isso são bons;

Há aqueles que lutam muitos dias, e por isso são muito bons;

Há aqueles que lutam anos, e por isso são melhores ainda;

Há, porém, aqueles que lutam toda a vida:

Estes são os imprescindíveis!

    

VANDALISMO (Augusto dos Anjos)

 

Meu coração tem catedrais imensas,

Templos de priscas e longínquas datas

Onde um nume de amor, em serenatas,

Canta a aleluia virginal das crenças.

 

Na ogiva fúlgida e nas colunatas

Vertem lustrais irradiações intensas,

Cintilações de lâmpadas suspensas

E as ametistas e os florões e as pratas.

 

Como os velhos templários medievais,

Entrei um dia nessas catedrais

E nesses templos claros e risonhos...

 

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,

Nos desespero dos iconoclastas,

Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!

 

 ENGENHO DE MADEIRA

 

Na remansosa paz de rústica fazenda,

À luz quente do sol e fria do luar,

Vive, como a espiar uma culpa tremenda,

O engenho de madeira a gemer e a chorar!

 

Ringe e range rouquenha a rígida moenda,

E ringindo e rangendo a cana a triturar,

Parece que tem alma, advinha e desvenda

A ruína, a dor, o mal que vai, talvez, causar!

 

Movida por bois tardos, velhos, sonolentos,

Geme como a exprimir em doridos lamentos

Que as desgraças por vir sabe todas de cor!

 

Ai dos tristes ais! Ai, moendas arrependidas!

Álcool, para esquecer os tormentos da vida,

E cavar, sabe Deus, um tormento maior!

 

(Da Costa e Silva – poeta piauiense)

 

Visita à Casa Paterna

À minha irmã Izabel

 

Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo.

Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
O fantasma talvez do amor materno,
Tomou-me as mãos, - olhou-me, grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.

Era esta sala... (Oh! se me lembro! e quanto!)
Em que da luz noturna à claridade,
minhas irmãs e minha mãe... O pranto

Jorrou-me em ondas... Resistir quem há de?
Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade.

 

Luis Guimarães Jr. - Rio 1876

 

Língua portuguesa
Olavo Bilac
Última flor do Lácio, inculta e bela, 
És, a um tempo, esplendor e sepultura: 
Ouro nativo, que na ganga impura 
A bruta mina entre os cascalhos vela...


Amo-te assim, desconhecida e obscura, 
Tuba de alto clangor, lira singela, 
Que tens o trom e o silvo da procela 
E o arrolo da saudade e da ternura! 

Amo o teu viço agreste e o teu aroma 
De virgens selvas e de oceano largo! 
Amo-te, ó rude e doloroso idioma, 

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!" 
E em que Camões chorou, no exílio amargo, 
O gênio sem ventura e o amor sem brilho! 
 

 solonsantos@yahoo.com.br - notassocialistas.com.br - Ligeiros comentários  - com consulta à Enciclopédia Larousse, à coletânea vestibular

“Clássicos da Poesia Brasileira” e livros de História).