Crise Terminal do Capitalismo

 

Pelo que entendemos do texto (mostrado em seguida a estas ligeiras notas), são três as razões para a crise terminal do capitalismo, a saber: exaustão dos insumos e dos recursos energéticos do planeta, impossibilidade de geração da mais-valia, somente possível por meio do trabalho vivo, e a crise ter-se originado nos países centrais.

 

Analisando superficialmente os limites da primeira proposição, diríamos que o autor está com certa razão. Já estamos extraindo petróleo a 200 km do litoral marítimo e a uma profundidade de 7 km; a devastação das florestas, caatingas e cerrados tem conduzido os animais à guerra contra os humanos. Os lobos (coiotes) já andam nas ruas de Chicago, à noite, atacando os humanos; na Índia, tigres e elefantes invadem aldeias em busca de alimento; na Austrália, milhões de caranguejos são atropelados nas estradas asfaltadas, buscando desesperadamente caminhos para brejos e orlas marítimas; na Amazônia, anualmente, são devastados milhares de hectares de área florestada; nos EUA e China, o avanço da desertificação tem provocado tempestades de areia que varrem suas cidades etc.

    

A China já consome um terço do aço produzido mundialmente e metade da produção também mundial de cimento, e se pensarmos que bilhões de chineses e indianos desejam ter seu próprio veículo automotor, como ficarão as fontes de combustíveis fósseis e o efeito atmosférico que isso acarretará? Sim, pois se o Zé branquinho tem seu veículo automotivo, por que não o teria o Zé amarelinho e o Zé pretinho, ou mulatinho? E tudo isso não apontaria para o esgotamento dos recursos energéticos do planeta?

 

Essas preocupações e interrogações apontam para o sentido ético do modo de vida capitalista. Sabemos, no entanto, que a principal lei do capitalismo em sua atual (e última?) etapa de desenvolvimento é a busca pelo lucro máximo. E o que diz a burguesia, a classe social dominante, diante dessa realidade? O mesmo que disse o rei absolutista francês: depois de mim, o dilúvio!

 

Se deixarmos os destinos do mundo em mãos da burguesia, talvez ela encontre saídas antes impensadas, por exemplo, descoberta de novas fontes de energia, mudança da matriz dos transportes etc. A principal fonte de energia da Terra, não é o Sol? Não é a energia solar que move a vida na Terra? As árvores não sabem como assimilá-la e transformá-la? E as viagens espaciais à Lua, à Marte, em médio prazo, não serão possíveis? Quanto aos animais selvagens, o capitalismo precisa deles?

 

Em outros termos, se deixarmos o mundo em movimento ser trabalhado e transformado pela classe dominante, ela talvez encontre meios de perpetuar ou pelo menos de prolongar seu reinado aqui na Terra. O modo de produção capitalista não deixará de existir por si mesmo, por suas contradições, ainda que as condições objetivas estejam dadas historicamente!

 

Quanto à segundo hipótese, o que diz o texto de Leonardo Boff? Que o capitalismo pode criar riqueza, produção de bens e serviços por meio da máquina, da tecnologia, da robotização, prescindindo do trabalho vivo.

 

Aproveitamos, aqui, para conceituar, brevemente, o que entendemos por trabalho vivo e morto. Vivo, quando se trata de trabalho presente, do emprego presente da força de trabalho; morto: instrumentos de trabalho, produtos de trabalho anterior e que apenas transfere o valor do trabalho neles contido para os novos produtos criados pelo trabalho vivo.

 

O trabalho morto já foi trabalho vivo, quando de sua criação, sua elaboração, mas enquanto tecnologia incorporada aos instrumentos de trabalho, ele tem apenas a propriedade de incrementar a produtividade do trabalho vivo, e uma das contradições do capitalismo diz respeito à não distribuição dessa produtividade aos trabalhadores.

 

O capital constante (instalações, maquinaria, recursos técnicos), com o ininterrupto desenvolvimento tecnológico, tende a diminuir substancialmente a importância da participação do capital variável (força de trabalho humana) no processo da produção, diminuindo, consequentemente, a mais-valia. Haverá, assim, uma tendência de longo prazo de rendimentos decrescentes para o capitalista, o que entra em contradição com o processo de acumulação de capital. Note, no entanto, que é tendencial. Há, porém, medidas contratendências idealizadas e postas em práticas pelos intelectuais burgueses que servem ao sistema, os tecnocratas.

 

Neste ponto, diríamos que: primeiro, o emprego em números globais tem aumentado, proporcionalmente menos, é verdade, na indústria, porém, tem-se mantido relativamente crescente nas instâncias da circulação de mercadorias e dos serviços. A própria máquina não tem ainda a virtude de recriar a si mesma. Em algum setor da sociedade, há um núcleo de trabalhadores qualificados que passam para a máquina o conteúdo inteligente e produtivo da força de trabalho.

 

Esse núcleo de trabalhadores altamente qualificados poderá paralisar a produção capitalista, gerando caos para a realimentação do modo de produção, que outra coisa não é senão uma relação social entre exploradores e explorados. O núcleo de trabalhadores qualificados será a vanguarda da classe operária em seu movimento de mudança social. Claro, se as condições subjetivas forem construídas no processo da luta de classes.

 

Quanto à necessidade de mão de obra do capitalismo, notamos que ele não precisa de pelo menos quarenta por cento da força de trabalho mundial para produzir a mesma quantidade atual de bens e serviços. E isso já foi mencionado pelo autor do texto, ora comentado. Uns por despreparo cultural e técnico para operar a parafernália da produção capitalista; outros por crise estrutural do próprio sistema capitalista, que é o exército industrial de reserva.

 

Os limites, segundo o autor, estariam dados pela exclusão social de bilhões de pessoas, substituídos pela máquina, e pela contradição entre desenvolvimento tecnológico e percepção dos trabalhadores de suas próprias condições de vida. Com relação ao primeiro item, perguntamos: o capitalismo não inventou o bolsa-familia? E tantas outras medidas que os submeterão ao conformismo religioso, à estratégia midiática, entre outros? Não é o que já ocorre com um terço da população mundial, notadamente na Índia e em grande parte da Ásia, África e America latina?

 

Com relação ao segundo item: Marx nos diz que há uma contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção. Realmente, o ajustamento dessas contradições ao longo da história tem-se dado também pelo reformismo. Assim, não bastam as condições objetivas concretamente existentes e talvez historicamente determinadas, mas a vontade política dos trabalhadores organizados, sob a direção de seu partido de classe, o partido comunista, para levar adiante a mudança social radical.

 

Com relação ao rentismo citado no texto do autor, diríamos que é verdade. O PIB mundial beira os US$ 60 trilhões, enquanto transitam nas bolsas de valores e outras instituições do mundo todo cerca de US$ 850 trilhões. São papéis sem valor tangível, mais-valia apropriada dos trabalhadores, ao longo do processo histórico da produção capitalista. Esse capital dito financeiro é, hoje, hegemônico em relação ao capital produtivo, e sua fração especulativa tem contribuído em muito para as últimas crises capitalistas.

 

Há, ainda, o mecanismo de aprisionamento dos estados nacionais menos desenvolvidos economicamente pelo capital volátil. Esse capital especulativo tem servido para rolar as dívidas, os passivos, de inúmeros estados nacionais. Sirva-se de exemplo o caso do Brasil. A dívida pública bruta total brasileira, em maio/2011, elevava-se a R$ 1,75 trilhão, podendo chegar a R$ 1,9 trilhão, no final do ano. O total da dívida externa, pública e privada, em fevereiro/2011, somava US$ 271,1 bilhões (R$ 435 bilhões). As reservas brasileiras, no entanto, alçaram ao patamar dos US$ 330 bilhões, em maio/2011. Os gastos relacionados com a dívida pública, (juros e amortização do principal), levarão o país a despender grande parte de seus recursos orçamentários, realimentando o capital financeiro especulativo e prolongando a crise sistêmica do capitalismo.    

 

O autor diz, finalmente, que a novidade da crise atual do capitalismo está no fato de que ela se deu no coração do sistema hegemônico, isto é, nos países centrais.  Realmente, o estado falimentar do governo estadunidense, por exemplo, é conhecido. Sua dívida pública já se igualou ao tamanho de seu PIB (cerca de U$ 15 trilhões). Os países da zona do euro também estão em situação difícil, e alguns deles em situação falimentar.

 

Isso seria bastante para caracterizar que a crise é terminal? Vamos considerar algumas alternativas. Os Estados Unidos não produzem armas para travar guerras, mas produzem guerras para justificar sua imensa indústria bélica. Essa indústria é estratégica para a movimentação da economia estadunidense. Ela é responsável pela geração de emprego de cerca de quatro milhões de pessoas, contribuindo grandemente para a formação do PIB. Sua importância se assemelha à nossa indústria automotiva. Aqui, por exemplo, há uma rede, uma constelação de indústrias que dependem das encomendas das montadoras. Uma crise neste tipo de indústria geraria uma cadeia de acontecimentos desastrosos para a economia de um país.

 

Não é por acaso que os Estados Unidos mantêm 1001 bases militares em todo o mundo. Além de garantir a hegemonia bélico-militar estadunidense diante das outras nações, a indústria bélica também afasta qualquer possibilidade de retaliação das nações ocupadas pelo sequestro de seus insumos e recursos energéticos. 

 

Assim, o ônus da crise cairá sobre os ombros dos trabalhadores, e a revolta dos indignados se esgotará provavelmente pelas simples razão de que as condições subjetivas não terem sido criadas. A esquerda, hoje, no mundo, está fragmentada, e grande parte dela é reformista, não revolucionária. As condições objetivas de luta de classes estão dadas. Faltam, porém, as condições subjetivas para a mudança radical do modo de produção capitalista.

 

solonsantos@yahoo.com.br – alguns conceitos explicitados nestas ligeiras notas e outros não explicitados poderão ser conferidos no site www.notassocialistas.xpg.com.br

 

 

 

CRISE TERMINAL DO CAPITALISMO

Leonardo Boff

 

Tenho sustentado que a crise atual do capitalismo é mais que conjuntural e estrutural. É terminal. Chegou ao fim o gênio do capitalismo de sempre adaptar-se a qualquer circunstância. Estou consciente de que são poucos que representam esta tese. No entanto, duas razões me levam a esta interpretação.

 

A primeira é a seguinte: a crise é terminal porque todos nós, mas particularmente, o capitalismo, encostamos nos limites da Terra. Ocupamos, depredando, todo o planeta, desfazendo seu sutil equilíbrio e exaurindo excessivamente seus bens e serviços a ponto de ele não conseguir, sozinho, repor o que lhes foi sequestrado. Já nos meados do século XIX, Karl Marx escreveu profeticamente que a tendência do capital ia na direção de destruir as duas fontes de sua riqueza e reprodução: a natureza e o trabalho. É o que está ocorrendo.

 

A natureza, efetivamente, se encontra sob grave estresse, como nunca esteve antes, pelo menos no último século, abstraindo das 15 grandes dizimações que conheceu em sua história de mais de quatro bilhões de anos. Os eventos extremos verificáveis em todas as regiões e as mudanças climáticas tendendo a um crescente aquecimento global falam em favor da tese de Marx. Como o capitalismo vai se reproduzir sem a natureza? Deu com a cara num limite intransponível.

 

O trabalho está sendo por ele precarizado ou prescindido. Há grande desenvolvimento sem trabalho (vivo). O aparelho produtivo informatizado e robotizado produz mais e melhor, com quase nenhum trabalho. A consequência direta é o desemprego estrutural.

 

Milhões nunca mais vão ingressar no mundo do trabalho, sequer no exército de reserva (desempregados que poderiam ser reaproveitados nos momentos de expansão da produção capitalista). O trabalho, da dependência do capital, passou à prescindência. Na Espanha o desemprego atinge 20% no geral e 40% e entre os jovens. Em Portugal, 12%, no país, e 30% entre os jovens. Isso significa grave crise social, assolando neste momento a Grécia. Sacrifica-se toda uma sociedade em nome de uma economia, feita não para atender as demandas humanas mas para pagar a dívida com bancos e com o sistema financeiro. Marx tem razão: o trabalho explorado já não é mais fonte de riqueza. É a máquina.

 

A segunda razão está ligada à crise humanitária que o capitalismo está gerando. Antes se restringia aos países periféricos. Hoje é global e atingiu os países centrais. Não se pode resolver a questão econômica desmontando a sociedade. As vítimas, entrelaçadas por novas avenidas de comunicação, resistem, se rebelam e ameaçam a ordem vigente. Mais e mais pessoas, especialmente jovens, não estão aceitando a lógica perversa da economia política capitalista: a ditadura das finanças que por meio do mercado submete os Estados aos seus interesses e o rentismo dos capitais especulativos que circulam de bolsas em bolsas, auferindo ganhos sem produzir absolutamente nada a não ser mais dinheiro para seus rentistas.

 

Mas foi o próprio sistema do capital que criou o veneno que o pode matar: ao exigir dos trabalhadores uma formação técnica cada vez mais aprimorada para estar à altura do crescimento acelerado e de maior competitividade, involuntariamente criou pessoas que pensam. Estas, lentamente, vão descobrindo a perversidade do sistema que esfola as pessoas em nome da acumulação meramente material, que se mostra sem coração ao exigir mais e mais eficiência a ponto de levar os trabalhadores ao estresse profundo, ao desespero e, não raro, ao suicídio, como ocorre em vários países e também no Brasil.

 

As ruas de vários países europeus e árabes, os "indignados" que enchem as praças de Espanha e da Grécia são manifestação de revolta contra o sistema político vigente a reboque do mercado e da lógica do capital. Os jovens espanhóis gritam: "não é crise, é ladroagem". Os ladrões estão refestelados em Wall Street, no FMI e no Banco Central Europeu, quer dizer, são os sumo-sacerdotes do capital globalizado e explorador.

 

Ao agravar-se a crise, crescerão as multidões, pelo mundo afora, que não aguentam mais as consequências da super-exploracão de suas vidas e da vida da Terra e se rebelam contra este sistema econômico que faz o que bem entende e que agora agoniza, não por envelhecimento, mas por força do veneno e das contradições que criou, castigando a Mãe Terra e penalizando a vida de seus filhos e filhas.

 

Leonardo Boff é teólogo e escritor, autor do livro "Proteger a Terra – cuidar da vida: como evitar o fim do mundo" – Veja texto na íntegra no site http://socialismo.org.br   fundacao@socialismo.org.br

 

solonsantos@yahoo.com.br (nossos acréscimos, entre parênteses). Vide conceitos de trabalho vivo, morto, concreto e abstrato, exército industrial de reserva e outros no site notassocialistas.com.br