NATUREZA DA CRISE FINANCEIRA QUE COLAPSA O MUNDO CAPITALISTA

 

Muitas são as versões sobre a natureza da crise financeira que colapsa o mundo capitalista, entre elas, o mito da inadimplência das hipotecas imobiliárias que, por si só, não seria suficiente para explicar a quebra do sistema financeiro mundial.

 

O cerne da questão e que espalhou o medo no coração do mercado e governos, ao que parece, seria o gigantesco e complexo mercado de derivativos, baseado, em parte, em dívidas hipotecárias, mas também em uma vasta série de outras fontes que foram securitizadas e transformadas em commodities fantasmas (mercadorias virtuais) negociáveis e depois vendidas numa enorme variedade de formas de negócios junto ao mercado financeiro.

 

SECURITIZAR é uma operação de crédito caracterizada pelo lançamento de títulos com determinada garantia de pagamento. Exemplo: securitizar as exportações significa tomar crédito externo com emissão de títulos garantidos por receitas futuras de exportação. 

 

Quanto ao mercado de derivativos, razão da crise atual, ninguém sabe qual o montante de dinheiro que será pago dos US$ 55 trilhões de contratos de crédito inadimplentes, pois não há dinheiro no mundo para cobrir essa totalidade de derivativos. Mas, o que são derivativos?

 

DERIVATIVOS: transações realizadas no mercado financeiro que deverão ser liquidadas no futuro. Os preços vigentes no futuro, relacionados com essas transações financeiras, derivam dos preços dos bens (ou de outros tipos de cotação de valor) no mercado a vista. Provém daí o nome de Derivativos. Uma empresa agrícola, por exemplo, ao vender sua produção de café no mercado futuro, assegura para si um preço e se protege de uma possível queda nas cotações futuras, quando colher o produto. Os fundos multimercados usam derivativos basicamente por três motivos: a) estratégia operacional; b) proteção (hedge); c) especulação.

 

Riscos dos derivativos: Os riscos provêm da magnitude da alavancagem. Alavancar é investir em operações de risco. Em outras palavras, apostar em ganhos futuros, cujos valores estão muitas vezes acima do patrimônio do fundo, e isso é possível usando os derivativos. Se as operações de um fundo bastante alavancado forem malsucedidas, as perdas podem causar estragos consideráveis, inclusive superando o patrimônio do fundo.    

 

Em função do mercado dos derivativos, e para sua proteção, criaram-se outros mecanismos de mercado de seguros que foram, por sua vez, securitizados: Os bancos, a partir de determinado momento, passaram a operar com sobre-estimativa de recursos virtuais, a exemplo do inglês Barclays que tinha uma razão dívida/capital próprio de 63 por 1.

 

A crise revelou um buraco de débitos com base em derivativos que não pode ser preenchido por todo o dinheiro do mundo. Os US$ 55 trilhões de derivativos e os mecanismos de crédit default swaps (CDSs) para perdas em investimentos de alto risco são duas vezes maiores que a soma dos PIBs da União Europeia, Japão e Estados Unidos.

 

CDSs (ou, simplesmente, swaps) são operações de permuta, troca de títulos entre os apostadores, tendo em vista eventuais garantias, menores riscos etc.

 

ORIGEM DOS DERIVATIVOS: Esse mercado de créditos em derivativos aparece nos anos oitenta e se expandiu de maneira explosiva, durante a última década, em resposta ao mercado de US$ 10 trilhões em ações securitizadas, baseadas em pacotes de receitas das mais variadas fontes (aluguel de escritórios, cobranças portuárias, pagamento de hipotecas, estádios esportivos etc.). Esse pacote de receitas foi transformado em títulos negociados entre bancos.

 

Como esses títulos têm risco elevado, o mercado inventou, então, um sistema de seguros, os CDSs. Exemplo: um comprador de um bônus securitizado pode adquirir o que é de fato um contrato de seguro que o protegerá da quebra do mesmo. Diferentemente do contrato de seguro tradicional, esses contratos de crédito contra a quebra de títulos podem ser vendidos ou comprados livremente.

 

 Modelos matemáticos complexos estão sempre estimando o risco e comparando-o com os preços de mercado. Se o risco cai, os CDSs ficam baratos; se o risco sobe, o preço sobe. E aí entra o peso das Agências avaliadoras de risco. Os fundos de hedge especulam com eles de maneira selvagem. Ao invés de uma solução de mercado para tornar os títulos menos arriscados, eles os tornaram mais arriscados. O colapso do Lehman Brothers significa que ele não pode mais honrar os US$ 110 bilhões de títulos, tampouco os US$ 440 bilhões de CDSs que subscreveu.

 

Contratos de liquidez duvidosa foram leiloados a oito centavos por cada dólar. Existe agora um rombo de US$ 414 bilhões que os detentores desses contratos têm de honrar. Devem ser adicionados a estes valores outros de bancos islandeses (US$ 250 bilhões entre títulos e CDSs).       

 

Enquanto os bancos tentam passar para outros esses títulos sem lastros, o sistema financeiro tem de encontrar dinheiro para amortizá-los. Essa insolvência emperra o sistema financeiro e, em consequência, os preços caem e à recessão se aprofunda, aumentando a inadimplência sobre os títulos securitizados e colapsando mais bancos de fora do anel que cerca o G8. Aqui, coloca-se novamente a questão: ninguém sabe que porção dos US$ 55 trilhões de contratos em derivativos de crédito inadimplentes que foram realmente contabilizados será honrada e quem poderá suportar perdas que chegam a trilhões de dólares.

 

INTERVENÇÕES GOVERNAMENTAIS tentam estabilizar os mercados ou pelos menos diminuir o ritmo de deterioração do sistema financeiro até encontrarem algum tipo de reestruturação massiva do sistema, ou não, até porque os atuais líderes políticos devem seu próprio poder e privilégios aos malfeitores da grande riqueza e ao culto extremista do fundamentalismo de mercado. Todas as medidas tomadas até o presente momento ainda têm como móvel principal a preservação dos malfeitores em seu atual estado de riqueza, privilégio e dominação.

 

As elites imperialistas vão tentar impor tanto ajuste estrutural quanto puderem arrancar, para fazer com que a imensa maioria da população pague o preço das espetaculares contorções das elites. O jornal Washington Post já começou a escrever sobre como a atual crise demonstra que se deve cortar na Previdência Social americana. Esperam-se ainda outras medidas que visam penalizar os assalariados.

 

A única e tênue esperança de legítima reforma, ainda que imperfeita, conflitada, e com concessões, é de que a fera de US$ 55 trilhões, o próprio potencial de completa destruição da economia global, e do poder de Estado que depende dela, possa forçar alguns políticos a se tornarem apóstatas, renunciarem ao culto do mercado, e morderem as mãos que os alimentaram por tanto tempo.

 

   

solonsantos@yahoo.com.br – notassocialistas.com.br - apropriação de texto publicado no jornal Hora do Povo, de autoria de Chris Floyd – editor estadunidense – Resumimos, simplificamos algumas passagens e introduzimos algumas conceituações de termos técnicos do mercado financeiro - SP, 25.10.2008.